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"Artistas têm sido heróis. Há casos de dramas pessoais"

Entrevista a Rui Silva

O rosto de um dos clubes "in" da cidade de Luanda alerta para as dificuldades que os empresários da noite estão a ter para cumprir com as suas obrigações nesta fase de confinamento. Alerta ainda para a dramática situação que vivem os artistas.

O Clube S tem sido um dos principais palcos de vários eventos culturais. Como sobrevive nesta altura?
Tem sido difícil, porque fomos os primeiros as fechar e, provavelmente seremos os últimos a reabrir os negócios. É uma fase dolorosa porque temos funcionários a trabalharem, sendo que não conseguimos despedir ninguém, nem suspender contratos de trabalho, portanto temos que efectuar os pagamentos aos funcionários, assim como as rendas de casas dos expatriados, do espaço e não há rendimento. Estamos a chegar a um ponto em que nos últimos dias já estou a tirar dinheiro da minha poupança particular para não falhar com o pessoal. Mas a questão é: quanto tempo essa situação vai demorar e quanto tempo é que aguento.

Que eventos foram interrompidos devido à Covid-19?
Vários eventos foram interrompidos. Eventos com Djs, concertos musicais, assim como casamentos e festas privadas já pagas e que tivemos de reembolsar os valores.

A restauração e a cultura têm algum tipo de apoio nesta altura?
Esperamos que o Governo compreenda e que esteja do lado das empresas, dos restaurantes, do pessoal da cultura e de quem produz eventos. Temos funcionários e obrigações e precisamos de um Governo com políticas flexíveis para nós conseguirmos suportar todas as despesas e os prejuízos que estamos a ter. Existe um grupo que está ser criado para levar informação às entidades competentes, onde vamos fazer chegar as nossas preocupações e esperar o que nos vai ser dito.

Como se consegue pagar os funcionários numa fase em que a empresa não rende?
Como sócio estou a pôr fundos da empresa para pagar. Estamos a ter prejuízos avultados, já são dois meses sem rendimentos e com pagamentos.

Os espaços culturais vão fechar?
Não só os espaços culturais vão fechar, como também muitas empresas. E isso não é bom para a nossa cultura, nem para a economia.

O que vai sobrar da noite de Luanda?
Não sabemos o que vai sobrar das noites em Luanda. Não sabemos qual será a reacção das pessoas. Dependemos muito da estadia do estrangeiro em Angola, precisamos deles para fazer consumo interno, tanto nas noites como em restaurantes e, com eles nos seus países, acho que é muito complicado.

Vem ai um periodo incerto...
É salvaguardarmos que as empresas actuais se consigam manter, e estarem abertas. E depois o mercado tem que reagir, as pessoas têm que sair. Por outro lado, compreendemos que as pessoas não têm dinheiro.

Tem conversado com alguns artistas?
Quais são as principais preocupações deles? Tenho conversado com vários artistas e há casos de dramas pessoais. São pessoas que não pouparam e nesta fase estão com muitas dificuldades de pagar contas e de se manter. Já não trabalham há dois meses e dificilmente vão trabalhar no próximo mês, e não é nos lives que eles vão sobreviver. Aliás, acho que deviria haver um apoio aos artistas, porque é através deles que nós, pessoas normais, estamos em casa a divertir- nos e a ocupar o tempo para esquecer essas dificuldades. Para além de toda equipa que está na linha de frente contra o Covid-19, os artistas também têm sido heróis.

No sector da restauração, quais são os desafios em Angola?
Tenho a perfeita noção e tenho falado com alguns colegas, que há muitos restaurantes que não vão reabrir após Covid-19. Os grandes desafios são aguentar esta fase e reabrir, bem como aguentar o período que segue. Porque não se pode pensar que vamos abrir e ter os restaurantes cheios. Os clientes vão regressar aos poucos. Temos o problema das pessoas terem medo de serem infectados e a falta de liquidez das famílias.

Que avaliação faz do mercado nacional?
Estamos a atravessar um dos momentos mais críticos do que se passa no mercado na economia angolana. Tínhamos uma crise profunda antes da Covid- -19, já estávamos com um nível elevado de desemprego e agora vai ser uma catástrofe. O sector precisa de ajuda do Governo, para o mercado subir para que a procura e o consumo aumentem. E precisamos de ajuda externa, na minha opinião, para apoiar o Governo, porque sozinho acho que não vai conseguir resolver todos os nossos problemas em curto espaço de tempo.


"Luanda nunca mais será a mesma", admite

Nasceu no Malaui, filho de mãe moçambicana e pai português. Desde a sua chegada a Angola, há vários anos, muita coisa mudou na sua vida. É fundador da RBS, que traz para Angola grandes marcas internacionais de roupa como a Zara. O gestor e empresário é conhecido por ser o proprietário do Clube S, um dos espaços nocturnos mais conhecidos e procurados na cidade de Luanda.

Lamenta as dificuldades que os empresários da restauração e dos espaços nocturnos estão a enfrentar com a Covid-19 e não deixa de dar uma palavra aos artistas que, admite, estão a passar muito mal com a falta de trabalho remunerado. Quanto ao futuro, admite, "Luanda nunca mais será a mesma. Vamos levar muito tempo até retornar às nossas vidas normais", sublinha.

(Artigo publicado na edição 575 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Maio de 2020, disponível aqui em versão digital)