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Opinião

Deverão os bancos aumentar a concessão de crédito em resposta à taxa de custódia?

Convidado

A última reunião extraordinária do Comité de Política Monetária (CPM), realizada no dia 28 de Julho de 2020, que tinha como objectivo avaliar a evolução dos principais indicadores de conjuntura macroeconómica que têm sido drasticamente afectados pela pandemia da Covid-19, culminou com a manutenção das principais taxas de juro do mercado, bem como a introdução no sistema financeiro nacional, de um novo conceito de gestão de liquidez do mercado, a denominada taxa de custódia.

A introdução da referida taxa, que deverá funcionar como as taxas de juro negativas implementadas pelo Banco Central Europeu (BCE), onde os bancos têm de pagar para domiciliarem os seus depósitos excedentários - reservas livres - junto da autoridade monetária, tem como objectivo incentivar os bancos a mobilizarem cada vez mais recursos financeiros para a economia, de modo a contribuírem activamente para o processo de diversificação da economia nacional, numa altura em que os fantasmas da armadilha da liquidez parecem cauterizar os principais responsáveis pela condução das políticas monetária e cambial do País.

Segundo o instrutivo n.º 14/ 2020 de 04 de Agosto sobre a Taxa de Custódia Aplicável às Reservas Excedentárias dos Bancos Comerciais Depositadas no Banco Nacional de Angola (BNA), as instituições financeiras deverão manter junto do regulador o máximo de 3 mil milhões Kz calculados diariamente sobre o saldo de fecho diário das suas reservas livres que serão deduzidas a uma taxa de 0,1%. Ou seja, doravante, os bancos necessitarão de proceder a verdadeira engenharia financeira, no sentido de manter apenas o estabelecido pelo instrutivo e evitar a "mão pesada" da taxa de custódia.

O processo de ajustamento e transmissão da taxa de custódia sobre as demais taxas de juro do mercado poderá não proceder de forma linear ou imediata. Tais ajustamentos dependerão, por um lado, do comportamento e dinamismo do mercado monetário interbancário (MMI), ou seja, o incumprimento do instrutivo por parte de alguns bancos poderá conduzir a sucessivos pagamentos ao BNA e, tendo em conta as restrições de liquidez que têm caracterizado o mercado, algumas instituições poderão mesmo
recorrer ao MMI para captar a liquidez necessária a fim de fazer face aos seus compromissos, o que deverá reflectir-se sobre as taxas de juro de curto prazo.

Por outro lado, destaca-se o modelo de negócios seguido pelos bancos. A hipótese de os bancos repassarem os custos da taxa de custódia sobre os seus depositantes de forma directa ou indirecta não pode ser descurada, mas, a meu ver, tudo vai depender da composição da estrutura de passivo dos bancos.

Assim sendo, na eventualidade de os bancos não procederem àquilo que os fiscalistas costumam chamar de "Repercussão para frente" dos impostos, será feito uma alteração dos modelos de investimento dos bancos, cujo processo de decisão deverá passar por: aumentar os financiamentos ao sector privado da economia ou investir em activos de menor risco. E, face ao momento actual que a economia atravessa, é com muita naturalidade que afirmo que muito dificilmente os bancos abdicarão da segunda decisão.

Olhando para aquilo que tem sido a actual tendência do mercado financeiro em matéria cambial, não é apenas a concessão de crédito que o BNA quer estimular com a introdução da taxa de custódia. A redução das reservas livres deverá restringir a capacidade de os bancos comerciais intervirem no mercado cambial e, por conseguinte, reduzir a pressão sobre a depreciação da moeda nacional face às principais contrapartes.

*Economista e analista de mercados financeiros

(Leia o artigo integral na edição 589 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Agosto de 2020, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)