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Grande Entrevista

"Não podemos olhar para a função pública como espaço de enriquecimento ilícito"

Saidy Fernando Director do SNCP

A reestruturação do sistema de governance da contratação pública está entre os desafios do Serviço Nacional da Contratação Pública que espera mudanças de atitude do gestor público na contratação de serviços e bens, em nome do Estado. Um dos temas da entrevista ao director do Serviço Nacional da Contratação Pública.

Como classifica hoje o servidor público a nível da prestação de contas?

O gestor público não é um extra-terrestre. Não caí do céu. Ele nasce numa sociedade. O tipo de pessoas que temos em Angola é o tipo de gestor público que temos. Alguém que já vem do mercado com práticas não muito dignas, quando for gestor público, estas práticas podem agravar-se, porque poderá encontrar terreno fértil e, com o poder que tem, agir erradamente.

É isso que tem acontecido?

Os gestores públicos precisam progressivamente interiorizar as suas funções. A ideia de serviço, de estarmos à disposição da sociedade para prestar um determinado trabalho, deve ser enraizada. Temos de olhar para a função pública dentro do seu papel original e não como um mero espaço de enriquecimento ilícito, ou afins. A cultura de prestação de contas deve ser fomentada, não apenas pelos instrumentos legais criados. A sociedade civil, instituições, operadores económicos e outros agentes devem ser os principais promotores da prestação de contas.

Não tem havido esta participação?

Tem. Por exemplo, no âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), o memorando de operacionalização deste programa traz como exigência a publicação de placas nas empreitadas das obras públicas.

Isso tem sido cumprido?

Sim, e é um factor diferencial, se assim podemos dizer, porque tem sido com base nestas placas que a sociedade tem obrigado, pontualmente, os gestores a prestarem contas sobre os projectos.

Mas têm surgido problemas de sobrefacturamento, dupla facturação em algumas obras do PIIM...

No mercado da contratação os preços têm uma estrutura de composição muito complexa. Mas há um elemento prévio, que é a estimativa desses preços. Isto concorre também para o chamado realismo orçamental. Os gestores públicos, fruto da conjuntura social, dificilmente têm aquela estrutura própria para elaborarem um orçamento realista. Muitas vezes, estimam os montantes sem qualquer base real de cálculo. Existe ainda dificuldade técnica de inscrição das despesas no Orçamento Geral do Estado, principalmente quando são plurianuais.

Nestes casos de dupla inscrição em orçamentos não deveria haver concertação com o Ministério das Finanças?

Há. O Ministério das Finanças é que propõe o Orçamento ao Governo. Mas isto tem uma complexidade técnica que não permite uma explicação ao público, todos os anos. E, em alguns casos, é isso que acontece. Depois existem os factores mais internos da estrutura dos custos em si e isso decorre das condições do mercado. Fazer uma obra em Luanda é diferente de fazer uma obra fora de Luanda.

Têm fiscalizado o PIIM?

Sim, temos fiscalizado a execução dentro da margem que nos é permitida. Mas conseguimos chegar a essas conclusões.

Estão satisfeitos com a sua implementação?

Existem ganhos que devem ser capitalizados. Mas também existem aspectos que devem ser melhorados. É a primeira vez na história do País que as administrações municipais assumem, de facto, as rédeas sobre a formação e execução dos contratos públicos com base em peças de procedimentos padronizados, previamente elaborados. É um exercício novo que cria aprendizagem. Quero acreditar que, com este movimento, o que temos para os próximos anos são só melhorias. É importante que não fiquemos apenas pelos ganhos da formação dos contratos, mas fundamentalmente pela eficácia do projecto. Precisamos prestar atenção à forma como os projectos são executados e explorados. Temos de procurar uma sustentabilidade transversal.

Sendo o PIIM uma novidade para as administrações municipais, estes servidores públicos têm conhecimentos suficientes?

Os administradores tiveram formações sobre várias componentes. Mas há um dado que também é curioso na administração pública, e pode apresentar alguma dificuldade, que é a mobilidades dos administradores. E é incontornável, porque a gestão política tem os seus critérios, mas volta e meia temos de estar dispostos para capacitar os novos administradores para que não percamos tudo o que foi conseguido na fase anterior.

(Leia a entrevista integral na edição 591 do Expansão, de sexta-feira, dia 11 de Setembro de 2020, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)