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"As artes não têm apoio. É mais fácil dar kits para vender bombo com jinguba"

Lito Ferreira

Participou no filme «Estado de Emergência», que retrata a situação imposta pela pandemia da Covid-19 e que apela aos cuidados a ter nesta "nova" forma de vida. O actor reclama a falta de apoios à cultura e diz que as produtoras têm trabalhado por conta própria.

Como está a viver esta fase de isolamento social?

Na verdade é uma fase assustadora, que parou, não só Angola, mas o mundo. Onde vimos decretado, pela primeira vez na história do País, um estado de emergência, a seguir um estado de calamidade, e não sabemos o estado que se segue. Temos acompanhado a morte de milhares de pessoas em todo o mundo, colocando em risco a economia mundial e aumentando, cada vez mais, o elevado índice de empobrecimento e desemprego, à escala mundial.

Pode dizer-se que esta fase teve um lado produtivo, ao permitir criar o filme Estado de Emergência?

Não se pode considerar produtivo, pelo facto de o filme ter sido gravado num tempo recorde de dois meses, com o medo de contaminações nas gravações. Contou a entrega de todos os envolvidos, pois havia a necessidade de alertar as pessoas sobre o perigo desta doença invisível, que não escolhe raças, cor, estratos sociais, nem idades.

Como é que as pessoas recebem o filme?

Foi bem recebido, apesar de nunca faltarem críticas, umas a elogiar, a motivar, encorajar. Outras nem por isso, pois sabemos que é muito mais fácil estar fora do campo, a criticar ou até chutar o pé, mesmo sem bola, do que estar dentro do campo. O mais importante foi termos passado a mensagem, que foi bem compreendida por todos. Era esse o nosso maior objectivo.

Teve alguém próximo infectado, ou basearam-se nos casos registados em Angola e no mundo?

Não. E nem desejaria isso a ninguém, por se tratar de uma doença bastante perigosa e porque o nosso País não tem capacidades técnicas e humanas suficientes para pôr cobro a esta situação. Caso tenhamos um elevado número de contaminações, será uma catástrofe, se tivermos em conta o elevado número de mortes em países, onde, mesmo com tecnologia de ponta e com um elevado número de médicos e especialistas, não têm sido capazes de evitar o elevadíssimo número de mortes.

Contou com apoios financeiros durante o Estado de Emergência?

Não. O cinema em Angola não tem o apoio que merecia, a partir do próprio Ministério da Cultura. A produção do filme não teve qualquer apoio e outras produções têm sido feitas com recursos próprios, e escassos. Com muitas críticas, não podendo ajudar em nada. Mas, ainda assim, há aquela vontade, fé e esperança que o cinema em Angola vai vencer, com apoio ou não. Um grupo de produtoras tem estado a unir-se, para, juntos, trabalhar para o cinema nacional.

Teve de cancelar eventos da sua agenda?

Sim. Cancelei muitas gravações e participações em filmes, séries e deslocações para formação de actores fora de Luanda.

Em que medida o isolamento está a prejudicar o seu processo criativo?

Quanto à criação, o isolamento não prejudicou, muito pelo contrário, trouxe mais criatividade, permitindo descobrir uma série de talentos. Nós reinventamo-nos, adaptando-nos a uma nova vivência, mesmo com bastantes dificuldades. No cumprimento dos programas, tem sido difícil, pelo facto de estarmos confinados. Nada se ganha parado, principalmente, os que vivem em Luanda, que estão submetidos a uma cerca sanitária. Essa situação tem provocado um elevado índice de frustrações, sem medidas de apoio. O Ministério da Saúde tem de começar a pensar já na formação de especialistas em psiquiatria, porque será o novo fenómeno depois da pandemia. Quanto ao que faço, a arte é profissão. Apesar de não ser ainda rentável, tudo aponta para dias melhores.

Como concilia as artes com a ocupação profissional?

As artes têm a atenção institucional que precisam? As artes em Angola não têm apoio praticamente nenhum. É muito mais fácil apoiarem vendedores com kits para vender bombo com jinguba nas ruas da cidade e kits para engraxadores, do que apoiarem a arte, que contribuiria significativamente para o resgate de valores, morais, éticos e cívicos, perdidos ao longo do tempo. A sociedade está desencontrada, precisa reencontrar-se e o cinema tem um papel fundamental. Uma das maiores faltas que sinto, são os nossos convívios familiares, os beijos e abraços.