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Grande Entrevista

"A Sonangol quer ter 10% da produção nacional em 5 anos"

Diamantino Azevedo, ministro dos recursos naturais, petróleo e gás

Em três anos o ministro Diamantino Azevedo deu uma "grande" volta nos sectores do petróleo e dos diamantes. Alterou o modelo de gestão, criou a figura da agência reguladora e retirou a função concessionária às empresas públicas. Mas até ao final do mandato faltam concretizar outros objectivos, como nos explica.

Angola assume, pela primeira vez, a presidência da OPEP, sendo que é o próprio ministro que assume o lugar. Será importante para o nosso País porque se vai falar muito de Angola. Quais são as suas expectativas e objectivos para este mandato?

Primeiro há que esclarecer que a presidência da OPEP não é mérito por parte de Angola, antes advém de uma questão estatutária. A presidência é rotativa por ordem alfabética, no ano passado foi a Argélia, este ano é Angola e para o ano é o Congo. Nós não nos candidatámos, resulta dos estatutos. As tarefas do presidente também estão definidas pelos estatutos. Por isso, não podemos esperar que desta presidência resultem coisas extraordinárias. Nós, essencialmente, servimos para auxiliar o secretário-geral entre duas conferências de ministros da OPEP.

As tarefas são limitadas?

Fundamentalmente o presidente apoia o secretário-geral em contactos ao mais nível, com os governos quando é necessário, na preparação dos documentos para as conferências, nas relações ao nível da OPEP+, na definição dos orçamentos, etc. Nós não vamos para fazer uma revolução na OPEP. Não é possível.

Mas vai dar visibilidade a Angola pelo facto de ser o presidente.

Obviamente que teremos várias oportunidades para falar nos media internacionais sobre a OPEP e aproveitaremos esses momentos para falar de Angola, falar do nosso País. Vamos também levar algumas ideias que temos sobre a OPEP, que não gostaria de partilhar aqui, mas que iremos pôr à discussão. E isso tem a ver com uma maior dinâmica na união entre os países da OPEP e da OPEP+, e também trazer para mais perto outros países que têm hoje o estatuto de observadores. Queremos também abordar com maior profundidade a relação entre a OPEP e a APO, a associação dos países africanos produtores de petróleo. Ver como pode haver um melhor relacionamento.

Vai levar alguns técnicos angolanos para trabalhar na OPEP?

Temos de perceber o que se passa na OPEP. Não há um privilégio directo dos membros porem técnicos na organização. Entra-se por concurso, e as pessoas devem candidatar-se quando as vagas abrem. O que se tem passado é que nós nos candidatamos pouco, e quando nos candidatamos, não temos conseguido. Nesta altura, creio que temos uma técnica na OPEP, e depois temos o governador de Angola para a OPEP, que é o senhor Estevão Pedro. O que temos feito é divulgar o máximo que podemos quando há vagas, de forma a atrair jovens angolanos para concorrerem. Podemos é dar um apoio em termos de literatura, de conhecimento, para poderem preparar-se.

É a política de cortes de produção que lhe vai dar maiores dores de cabeça?

Em princípio, a política de cortes para este ano já está estabelecida. Mas nós fizemos cenários. Mas isso não é coisa que me cause receios, até porque gosto de desafios. A OPEP tem um grupo de especialistas muito grande, altamente qualificado, que está a acompanhar essa situação e que facilita a vida do secretário-geral e do presidente da OPEP. Depois temos é que analisar, trazer algum bom senso, e trazer também ideias diferentes. A função da OPEP não é fazer cortes, é contribuir para a estabilização do mercado.

Acha que a Arábia Saudita tem um peso excessivo na OPEP?

Não tem um peso excessivo, mas tem um peso relevante. E isso é natural, é o maior produtor. Mas não considero que seja excessivo.

Esse é um dos argumentos utilizado por aqueles que dizem que a OPEP é uma organização da Arábia Saudita. Sente isso?

Não! Não sinto isso, nem pessoalmente, nem ao nível da delegação que vai para a OPEP. Sabe que Angola tem sempre um posicionamento próprio nas reuniões. Mas é natural que os maiores produtores tenham maior influência.

Conta-se uma história que o ministro teria abandonado uma reunião quando quiseram cortar a produção a Angola. Isso é verdade?

É verdade! Abandonei sim senhora, é também uma forma de pressão que se usa. Expliquei porque é que tomei aquela atitude, porque é que estava contra a ideia de cortes. Estive fora uns minutos, depois fui novamente chamado, falámos e a nossa posição ficou vincada. É um exemplo de que não há excessos por parte de um ou outro membro.

Em termos pessoais, acha que essa posição de presidente da OPEP também o valoriza? Imagino que para alguém que esteve sempre ligado ao sector, esse seja um cargo que faça parte das ambições profissionais.

Nunca me passou pela cabeça ser ministro dos Petróleos nem ser presidente da OPEP. Isso é um bónus, sinto-me honrado de servir o meu País em funções tão altas, e agradeço o convite que me foi feito pelo Presidente da República para integrar o governo. Mas não é algo que me faça pensar dessa maneira. Até porque não há qualquer mérito da minha parte, como expliquei, assumo o cargo porque nesta altura sou o ministro dos Petróleos de Angola. E também não me servirá para muita coisa, porque eu estou quase em fim de carreira. Mas é sempre agradável.

Qual é a sua perspectiva pessoal para a evolução do preço do barril para este ano?

Isso é sempre difícil, quer do petróleo quer das de outras commodities minerais. Existe uma série de fórmulas, de instrumentos técnicos, mas nesta altura o preço do petróleo depende também de factores psicológicos, depende da pandemia, depende da especulação bolsista, financeira e outra. É muito difícil, mas temos de fazer esse exercício, e o espelho desse exercício está no OGE.

O preço de 39 USD que está no OGE não é já a contar como uma folga, como aconteceu em 2020, de forma a ter uma almofada financeira?

Não creio que esse seja o princípio, pois o princípio é ser o mais realista possível perante todo o cenário macro-económico internacional. O nosso valor é escolhido também tendo em conta o que é mais racional, tendo em conta as previsões que fazem no mundo. O importante é que devemos fazer tudo para deixar de ser monodependentes deste produto, possivelmente aplicando com maior valor qualitativo as verbas do petróleo na diversificação da economia. E temos de valorizar o preço de cada barril de petróleo que produzimos.

Para essa valorização, era necessário que a Sonangol tivesse um maior peso na produção. O que está a ser feito?

Completamente de acordo. Primeiro começou com a alteração do modelo de governação do sector, com a introdução do papel da agência como reguladora e concessionário, a ANPG para o dowstream e o IRDP para o upstream, focando-se a Sonangol na produção.

Ter uma percentagem de apenas 2 % na produção nacional é uma vergonha...

Sabe que, no início, até para provocar a Sonangol, eu critiquei publicamente esse facto, para criar um sentimento dentro da empresa de "temos de fazer mais". Daí o plano de restruturação da Sonangol, que começou a libertação da função concessionária. Depois o plano de privatização de grande parte dos negócios não essenciais, não ligados à sua função operadora, e ainda com a elaboração da estratégia de exploração e produção da Sonangol. Foi amplamente discutida nos nossos conselhos consultivos, e depois a proposta da Sonangol passava por passar de 2 para 20% num determinado período de tempo, mas depois eu próprio pedi mais ponderação, e o que ficou aprovado foi a Sonangol em cinco anos passar o seu peso na produção de 2 para 10%.

Isto apesar dos efeitos da pandemia na indústria dos petróleos?

Nas condições actuais ficaríamos satisfeitos se cumpríssemos essa meta.

Mas para isso é preciso capacidade de investimento. De dinheiro. A Sonangol tem esses fundos?

E não só! Às vezes há dinheiro e não há outras coisas.

A Sonangol ainda não tem as contas equilibradas que lhe permitam ter esses dinheiros.

Também é verdade. Mas é necessária uma estratégia e o essencial, na minha opinião, é ter visão, cumprimento daquilo que se propõe, ter objectivos e metas. O dinheiro vem a posteriori quando há uma estratégia robusta que suporte esses objectivos. Temos essa estratégia, onde definimos momentos que nos vão ajudar a alcançar essa meta.

Dê-me um exemplo desses momentos.

Por exemplo, temos o bloco 20 e 21, onde está previsto uma exploração conjunta com a Total. Também estamos a trabalhar com a ENI num bloco em Cabinda, 1/14, sendo a ideia que a operadora comece a operação, e depois passe a operação total para a Sonangol. Depois temos os blocos onshore, onde, para além dos que estamos a levar a licitação, a Sonangol já tem participação em alguns, e aí queremos que seja ela a operadora. Por isso, como vê, não é apenas dinheiro, é também necessário ter ideias para concretizar isso.

(Leia o artigo integral na edição 606 do Expansão, de sexta-feira, dia 8 de Janeiro de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)