Defeitos e Virtudes
Para além de nos conhecermos melhor, o grande desafio da vida está em transformar o nosso pior defeito na melhor das virtudes.
Ser teimoso, arrogante ou mesmo impaciente, são defeitos que repetidos causam danos nas relações pessoais, levando muitas vezes ao desentendimento ou mesmo a más interpretações.
Será que alguém "casmurro" se pode transformar em tolerante, aceitando a opinião dos outros, deixando de parte a teimosia, algumas vezes até a insegurança escondida, ou o excesso de normatividade e intolerância?
Claro que sim!
O moralista francês François de La Rochefoucaul dizia que as nossas virtudes não são mais do que vícios disfarçados.
Veja se não é verdade.
Imagine que tem um cordel nas mãos. As suas virtudes estão numa ponta, os seus defeitos na outra.
É ou não verdade que fazem parte do mesmo cordel?
Pois repare que, se observar os seus defeitos, estes são construí- dos da mesma forma, da mesma matéria, que as suas qualidades.
Se é impaciente, enerva-se com facilidade, cultiva a ansiedade, será isso um defeito, ou será feitio?
Veja então o seu outro lado do cordel, será provavelmente uma pessoa despachada, vigorosa, decidida.
O segredo está em conseguir melhorar os seus defeitos sem transtornar as suas qualidades, mantendo o equilíbrio no cordel, pois caso queira ser radical, algo de positivo pode mudar em si.
São muitos os defeitos que provocam desentendimentos e distúrbios nas relações pessoais, no entanto poderá encontrar neles o equilíbrio através da utilização sensata das virtudes.
Veja quais destes defeitos o acompanham no dia-a-dia e "estique o cordel":
¦ Impaciência - dá a entender que não está disponível, a agir sem motivação, podendo com frequência gerar precipitações - respire fundo, ouça melhor o que lhe dizem, resuma e responda de forma aberta, olhos nos olhos - virtude de equilíbrio = capacidade de decisão;
¦ Desconfiança - fazer muitas perguntas sobre o mesmo, leva o outro a sentir-se desconfortável, inseguro, desmotivado - tire dúvidas reais, sintonize com o seu interlocutor, mostre-lhe o desejo de chegar a conclusões segura, não se baseie no boato, mas sim em factos - virtude de equilíbrio = tolerância;
¦ Selectividade - ao escolher os seus contactos, ou por de parte interlocutores, mesmo que apenas em atitude, está a retirar a oportunidade de conhecer melhor o outro - dê oportunidade ao seu interlocutor de se dar a conhecer, saiba valorizar de forma realista as pessoas, esteja aberto ao diálogo e à participação, pois caso contrário, corre o risco de ser rejeitado - virtude de equilíbrio = abertura e boa disposição;
¦ Normatividade - se habitualmente impõe os seus pontos de vista, sem aceitar os dos outros, corre o risco de ser rotulado como convencido - habitue-se a assumir o que há de certo nos outros e a construir os seus objectivos em complementaridade com as suas opiniões - virtude de equilíbrio = sinceridade.
¦ Intolerância - se não aceita as falhas dos outros, de igual modo raramente assume as suas, é muito crítico, corta as conversas, mostra-se desgastado - habitue-se a cultivar o respeito, a estima, o silêncio e a escuta activa - virtude de equilíbrio = entusiasmo.
¦ Teimosia - tem a tendência para impor o seu ponto de vista, mesmo quando percebe que não tem razão, ou a opinião do outro é melhor - assuma as suas falhas, aceite a opinião do outro, abdique do seu ponto de vista - virtude de equilíbrio = alegria.
¦ Inseguro - se habitualmente é reservado, conservador, falando pouco e participando ainda menos - mostre-se disponível para participar, fale mais mesmo que seja a validar o que os outros dizem - virtude de equilíbrio = realismo.
¦ Manipulador - não perde um momento sem jogar com palavras, testar os outros, mentir, ou mesmo dizer que sim com um não nos olhos - controle-se, valorize o seu interlocutor, baseie-se mais em factos, seja directo e incisivo - virtude de equilíbrio = serenidade.
¦ Conflituosidade - com frequência se vê envolvido em conflitos, boatos, ou confusões - faça os possíveis por se retirar antes de ficar envolvido, deixe uma mensagem de força, crie energias positivas - virtude de equilíbrio = tolerância.
¦ Egoísta - com frequência apenas pensa em si, aproveita-se dos outros, ou não abdica do seu conforto - antecipe-se na ajuda a quem precisa, partilhe o que tem, esteja atento aos pedidos que lhe fazem mesmo sem dizer - virtude de equilíbrio = carinhoso.
¦ Excessivamente crítico - se passa a vida a criticar, a dizer mal, mesmo não tendo bem para dizer - contenha-se, avalie melhor quem tem à sua volta, seja comedido nas suas afirmações - virtude de equilíbrio = perspicácia.
Veja ainda como é possível, equilibrar casmurrice com perfeccionismo, inveja com ambição, impaciência com capacidade de decisão, agressividade com honestidade, preguiça com atenção e vaidade com auto-estima. Exercício difícil?
Todas estas conjugações permitem no dia-a-dia, diminuir a tendência para utilizar com mais incidência os defeitos, acabando por integrar de forma mais frequente as virtudes.
De qualquer forma, é evidente que até como no amor, é mais importante fixarmo-nos sobre as virtudes do que sobre os defeitos, criando o hábito de construir a relação, com base na complementaridade das virtudes, alicerce da entre-ajuda e da inter-valorização.
Mas saber pesar as virtudes e os defeitos, implica assertividade, a capacidade de gerar um comportamento assertivo, envolvendo a sua expressão directa pela pessoa, das suas necessidades ou preferências, emoções e opiniões sem que, ao fazê-lo, evidencie ansiedade indevida ou excessiva, não sendo hostil para o interlocutor.
Assertividade é, no fundo, a virtude de defender os próprios direitos, sem violar os direitos dos outros.
Claro está que não fazem parte da assertividade, a passividade, os comportamentos agressivos a manipulação, ou mesmo o desinteresse.
Melhorar a virtude da paciência, da condescendência, do respeito mútuo, implica uma mudança interna, um encontro de interesses interpessoais.
A virtude da assertividade, implica o entendimento de um conjunto de direitos e deveres, de que destacaria:
¦ Respeito e tratamento de igual para igual, qualquer que seja o papel desempenhado ou estatuto social - virtude da abertura;
¦ Manutenção dos seus próprios valores, respeitando os dos outros - virtude da coerência;
¦ Direito de expressar os seus sentimentos e opiniões - virtude da simplicidade;
¦ Direito de expressar as suas necessidades e de pedir o que quer - virtude da sinceridade;
¦ Direito de dizer não, sem se sentir culpado por isso - virtude da verdade;
¦ Direito de pedir ajuda e de escolher se quer prestar ajuda a alguém - virtude da disponibilidade;
¦ Direito de se sentir bem consigo próprio sem sentir necessidade de se justificar perante os outros - virtude da coerência;
¦ Ter o direito de mudar de opinião - virtude da coerência;
¦ Ter o direito de pensar antes de agir ou de tomar uma decisão - virtude da sensatez;
¦ Ter o direito de dizer "não estou a perceber, peço que me esclareçam ou ajudem" - virtude do pragmatismo;
¦ Ter o direito de cometer erros sem se sentir culpado - virtude da dedicação;
¦ Ter o direito de fixar os meus próprios objectivos de vida e lutar para que as suas expectativas sejam realizadas, respeitando os direitos dos outros - virtude da persistência.
Mas a prática da assertividade implica a capacidade para assumir um conjunto de orientações que permitem, na maioria dos casos, transformar defeitos em virtudes, pois traz-nos um maior autodomínio e conhecimento.
Vejamos então:
Não presuma nunca que a outra pessoa já sabe o que quer, apenas porque lhe sugeriu ou deu umas pistas - nunca assuma que os outros sabem ler o seu pensamento.
Não faça prefácios às suas frases, ou pedidos com desculpas, justificações ou coisas irrelevantes, falando muito para dizer pouco, pois o seu interlocutor recebe uma mensagem pouco clara e pode interpretá-la mal ou mesmo interrompê-lo antes de acabar. Se não obtiver uma resposta clara, deve voltar a repetir o seu pensamento - saiba falar como quem constrói um índice.
Use frases na primeira pessoa, pois ao dizer eu, significa que assume a responsabilidade pelos seus pensamentos, sentimentos e acções - evite fazer os outros sentirem-se culpados, ponha-os do seu lado, leve-os consigo.
Empatize, reconheça o que seu interlocutor diz sobre a sua situação, dificuldades, sentimentos e opiniões, dessa forma ele saberá que o ouve, lhe presta atenção e é importante para ele - construa sempre a compreensão com base no entendimento e na partilha.
Respeite os outros, pois o outro, como você, tem uma opinião e sentimentos. Quando critica alguém ou rejeita um opinião ou pedido, mostre que, longe de ser um ataque pessoal como um todo, está a dizer algo de específico ao comportamento/pedido em questão - nunca deixe generalizar uma opinião, circunscreva-a sempre a cada situação.
Suscite uma mudança de comportamento sempre que algo não lhe agrada, alguma coisa que o outro fez, ou em que se sente prejudicado por ele, peça-lhe que mude o seu comportamento - nunca adie uma chamada de atenção quando esta impede um bom relacionamento, ou pode gerar mal entendidos.
Aceite as sugestões críticas de forma aberta, assumindo a mudança a favor da situação - seja humilde com dignidade.
A assertividade não evita conflitos, no entanto, se duas pessoas usam o bom senso e reconhecem os pontos de convergência, da mesma forma que as divergências, chegam mais facilmente a um consenso, aquilo a que podemos chamar compromisso, respeito mútuo.
E já gora, estique o cordel, ponha os seus defeitos de um lado e as virtudes do outro, veja como pode transformar esses defeitos, com a ajuda das virtudes.
É teimoso, utilize mais o seu lado acessível, impaciente, utilize o seu lado realista e decidido. Continue a comparar e veja como conseguirá ser assertivo e gerar melhores resultados nas suas relações.
E não se esqueça, nunca estique o cordel em demasia.
Um bom fim-de-semana!