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Opinião

Algumas contribuições para a nova governação (I)

Alves da Rocha

A economia nacional, um pouco devido à guerra, mas também pelas características especiais dos sectores intensivos em capital, estruturou-se de um modo muito desarticulado e dependente. A guerra responde pela atomização dos mercados, desligados entre si, quase auto-suficientes ao nível de uma reprodução simples da actividade económica. As grandes dificuldades com que a circulação de pessoas e bens ainda se efectua pelo País (queixas de corrupção na polícia que controla as viagens dos camionistas por esse país fora, troços de péssima qualidade que encarecem o preço das mercadorias, tempo excessivo das viagens) explica uma boa percentagem das elevadas taxas de inflação, ao introduzir limitações à capacidade global de oferta interna.
Para além das reconhecidas debilidades do aparelho do Estado (extraordinariamente burocratizado, centralizado e carente de recursos humanos qualificados e sofredor da doença endémica da corrupção, vertical, horizontal e progressivamente progressiva), que impedem a plena assunção do seu papel de agente importante na coordenação das estratégias de recuperação e na criação de um ambiente propício para as decisões microeconómicas, é igualmente reconhecida a fragilidade do sector empresarial privado. Conhecidas que são as suas fraquezas e indolências, e reconhecidas que são as difíceis condições em que exerce a sua actividade, o seu papel no processo de reconstrução económica deve ser estudado no sentido de o transformar numa força viva, geradora de prosperidade e riqueza nacionais. A definição do melhor contexto para a sua inserção e das condições institucionais, económicas e financeiras para o exercício da sua função económica e social têm de ocupar um lugar destacado em matéria das políticas públicas de incentivo ao empresariado privado.
Um outro elemento a ter em consideração na reflexão sobre as dinâmicas internas é o capital humano, no qual se deve integrar, mesmo que tardiamente, o empresário, o empreendedorismo e a inovação. São assentidas as frouxidões dos sistemas nacionais de ensino, educação, saúde e investigação. Mas igualmente autenticada é a necessidade de as diferentes estratégias destes sectores terem de convergir com a estratégia geral de desenvolvimento, para que os chamados efeitos sinergéticos se maximizem.
A referência ao capital humano permite a consideração de uma das questões-chave para o êxito do processo de reconstrução e desenvolvimento a longo prazo: o investimento. Esta variável terá de ser cuidadosamente programada - respeitando-se todos os princípios que a consistência macroeconómica determina - porque é a restrição número um do modelo geral de recuperação do País. Uma variável que tem tido um comportamento muito irregular desde a independência, porque dependente, no que ao Estado diz respeito, das receitas fiscais petrolíferas - por seu turno, atidas ao comportamento do preço internacional do crude e à evolução da produção das concessionárias - e da poupança interna, no que ao sector privado respeita. Dada a sua exiguidade - baixos salários, lucros empresariais em média de fraca expressão por atrofiamento da economia não petrolífera, défices fiscais permanentes - é importante, portanto, questionar outras fontes de financiamento dos investimentos, como o investimento estrangeiro directo, os financiamentos e as linhas de crédito internacionais, a cooperação empresarial e a ajuda pública ao desenvolvimento. Em suma, como restrição do modelo, o investimento terá de ter uma abordagem abrangente em todas as suas componentes - investimento produtivo e em infraestruturas, investimento em capital humano e investimento em capital ambiental (preservação do ambiente e gestão dos recursos naturais) - e no seu relacionamento com as fontes possíveis de financiamento (1), o que coloca em aberto a questão da renegociação da dívida externa do país.
Renegociação que tem de ser analisada em duas perspectivas, a saber, a das necessidades de financiamento para se ultrapassar, em bases sustentáveis e competitivas, esta fase de desaceleração estrutural da economia (desde 2009) e promover a reconstrução e o desenvolvimento de longo prazo e a dos acordos com o Fundo Monetário Internacional. Em última instância, a convergência fundamental que deverá ser realçada no processo de retoma, reconstrução e crescimento é estabilização-reformas-desenvolvimento.
O processo de recuperação da economia nacional e de reestruturação futura da sua base produtiva deve ter, nas circunstâncias actuais, como variável estratégica o emprego. O modelo ou os modelos em que o mesmo deve assentar têm de levar em devida conta a possibilidade da máxima criação de empregos. O reconhecimento de que o emprego deve ser a variável central das estratégias de recuperação da produção justifica-se, não apenas pelas elevadas taxas de desemprego actualmente registadas na economia não petrolífera (2), como e, talvez principalmente, pelos efeitos positivos sobre o processo de reconciliação nacional, sobre o alívio da pobreza e, seguramente, sobre o crescimento económico interno pelo viés da criação (e distribuição) de poder de compra. Assim sendo, as actividades estruturantes da economia nacional, portadoras de soluções sustentáveis no futuro e mais consentâneas com um processo rápido de recuperação económica, devem combinar, de forma original, eficiência e equidade, ou seja, tecnologias de produção apropriadas e intensidade em trabalho. Isto quer dizer que o binómio produtividade/emprego tem de estar em permanente análise na elaboração dos planos e políticas do Governo.
A colocação do emprego como variável central do processo económico tem outro tipo de consequências, igualmente a serem levadas em consideração. A primeira refere-se à correlação entre emprego e tipo de qualificações que os modelos de recuperação económica irão necessitar. O sistema de formação profissional a curto prazo e os sistemas de educação e ensino numa óptica de mais longo prazo terão de ser chamados à colação, de modo a evitar estrangulamentos entre a oferta de mão-de-obra qualificada e a procura veiculada pelo sistema económico. A segunda consequência respeita à correlação com os sistemas de saúde, nomeadamente os que devem atender aos cuidados primários e à erradicação das mais importantes endemias. É importante que o processo de geração de empregos que a recuperação da economia certamente irá pôr em marcha não seja prejudicado pelo absentismo e por índices baixos de produtividade devidos a dificuldades no domínio da saúde.
Tem-se consciência que a máxima criação de empregos reclamada pela actual e séria crise social que o País vive não poderá ser viabilizada, apenas, pelas actividades económicas consideradas isoladamente. Daí que os modelos de recuperação do sector produtivo tenham de possibilitar, também, a máxima integração económica interna. Claro que, pela via da extensificação das redes de rodoviárias e ferroviárias, a recuperação de cada vez maiores extensões do território nacional para a livre circulação de pessoas e bens é um factor determinante de uma integração económica interna que se pretende maximizada, mas que não depende, apenas, da economia em si mesma. Justamente por isso, a problemática dos circuitos internos de distribuição e comercialização deve merecer um tratamento adequado no plano da elaboração das políticas públicas de desenvolvimento a médio prazo, como um elemento de influência preponderante para a viabilização dos modelos de recuperação da economia nacional.

(1) Adjacente a esta temática encontra-se a do modelo de financiamento do desenvolvimento económico e p,articularmente, a da transformação dos activos físicos e materiais em capital. O capital é a capacidade de os activos fixos gerarem valor adicional. O processo que fixa o capital não é o dinheiro, que é apenas uma das formas em que circula. O dinheiro facilita as transacções, mas não é, em si, o progenitor de produção adicional. O que gera capital é um sistema generalizado e complexo de processamento, registo, controlo e reconhecimento da propriedade. Na sua ausência, as posses e as propriedades dos agentes económicos e dos habitantes em geral - particularmente da população pobre - acabam por ser um capital morto (seguindo a metodologia de Hernando de Soto pode estimar-se o valor deste capital "no seu estado natural" para Luanda - partindo-se da hipótese de uma população residente de 7 milhões de habitantes - em cerca de 8 mil milhões de dólares americanos). Estes activos, porque não têm expressão legal no sistema integrado de registo de propriedade, não se podem transformar em capital necessário para o desencadear de novas e florescentes actividades económicas formais e legais. Para maior aprofundamento ver O Mistério do Capital de Hernando de Soto, Editora Record, 2001.
(2) A economia petrolífera, pela sua natureza capital/tecnologia intensiva, não tem capacidade de criação de emprego: o sector petrolífero "strictu sensu" não consegue empregar um estoque de trabalhadores nacionais superior a 20000, enquanto o restante do sector mineiro não vai além dos 48000.


Alves da Rocha escreve quinzenalmente neste espaço