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Iniciativas

Projecto social ajuda crianças com problemas crónicos de saúde

Brasil

Na pediatria do Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, nasceu um projecto que corta com o ciclo crónico de idas ao médico. Farta de ver crianças regressar ao banco de urgência, a médica Vera Cordeio criou um projecto que não se limita a curar os males do corpo. Actua também na nutrição e nos cuidados prestados pelas famílias. E, em 20 anos, transformou mais de 70 mil vidas.

Uma rotina desanimadora que uma jovem médica decidiu que iria mudar: assim começou, em meados dos anos 90, a história do projecto Saúde Criança. Actuando na pediatria do Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, Vera Cordeiro era a médica, que assistia, dia após dia, ao que parecia um filme. Crianças internadas com doenças crónicas. Depois de tratadas, recebiam alta, mas muitas não tardavam a regressar. Algumas vezes em condições iguais às das anteriores idas ao hospital, noutras com um quadro pior. E não eram poucos os casos que chegavam a óbito da criança.
Para entender este ciclo, Vera deixou as fronteiras do hospital para, por conta própria, conhecer a realidade dessas crianças, os seus lares e suas famílias. O atendimento médico, logo percebeu, era apenas parte do que precisavam. A maioria dos seus pacientes vinha de uma comunidade muito pobre, sem acesso a condições básicas de higiene, alimentação e moradia. E, por isso, a doença crónica da criança só era controlada enquanto ela estava no hospital.
Diante desse cenário, o Saúde Criança começou a ganhar forma. Não somente como iniciativa em prol da saúde, mas como uma acção de inclusão social.
Quem cuida do cuidador?
A instituição teve um início informal, movida pela força do voluntariado, sem metodologia fixa. Porém, o bem-estar da criança foi sempre, e apenas, o ponto de partida. Era preciso cuidar também da família e dos cuidadores dos menores, atendendo necessidades imediatas de todos eles. O que começou a ser feito por meio de uma dinâmica de apadrinhamento por parte dos voluntários.
A nutricionista Cristiana Velloso foi uma das voluntárias que abraçou a causa de Vera como madrinha de uma família, há cerca de 20 anos. Chegou levada por uma amiga. Quando começou a ver a instituição como um todo, quis fazer mais. Investiu na sua formação, procurou pós-graduações em responsabilidade social, terceiro sector e gestão de projectos.
Enquanto o projeto ganhava força e metodologia, Cristiana tornou-se coordenadora, depois gerente operacional e, desde 2014, actua como CEO do Saúde Criança.
"Considero que o que fazemos é mais do que ajudar famílias. Nós transformamos vidas", conta Cristiana, ao falar sobre o objectivo actual da iniciativa, que nasceu no Rio de Janeiro, onde conta com quatro unidades licenciadas, e hoje está também em Porto Alegre e Belo Horizonte.
A profissionalização, diz ela, foi acontecendo conforme os apoios institucionais iam chegando. "Eles são imprescindíveis, pois alguns doam verbas, mas muitos ajudam-nos de outras formas. Temos quem ofereça consultoria, consultas e até doação de medicamentos e materiais para a formação dos familiares das crianças e ainda com a inserção deles no mercado de trabalho", explica.
Vidas transformadas
A matriz do projecto no Rio de Janeiro auxilia mensalmente 250 famílias, o que significa quase mil pessoas atendidas por uma equipa multidisciplinar, para garantir actuação em todas as esferas necessárias. "Contando todas as unidades, incluindo as que actuam com metodologia inspirada no projecto, mas com nomes diferentes, podemos dizer que mais de 70 mil vidas foram transformadas", afirma a CEO.
Cada uma das famílias, "só é libertada do programa quando toda a equipa multidisciplinar está de acordo". Caso contrário, são assistidas até todas as questões de carência serem trabalhadas.
Os resultados alcançados pelo Saúde Criança são reconhecidos internacionalmente. Porém, a organização ainda enfrenta grandes desafios. Não ficou imune, por exemplo, ao aumento da desigualdade decorrente dos cenários económicos e políticos do Brasil nos últimos anos.
"Cresceu a dificuldade de acesso das famílias à área de saúde, em procedimentos básicos como consultas com especialistas, exames, cirurgias comprovadamente necessárias e até corte de medicamentos antes fornecidos pelo governo", lembra Cristiana.
Outro problema, de acordo com ela, é a captação de recursos. Com a crise, ficou mais complicado conseguir apoios financeiros e isso teve muito impacto no projecto Saúde Criança. "No ano passado, gastámos mais do que captámos e o quadro para este ano não dá indícios de melhoria", confessa.
O cenário delicado não desanima Cristiana, Vera e toda a rede do Saúde Criança, que ainda espera que mais empresas e organizações percebam a amplitude com que deve ser tratado o tema da saúde pública no país.

*Com colaboração de Pamela Malva