A soberania económica e o Corredor do Lobito: um desafio urgente para Angola
Um aspecto fundamental para a sustentabilidade do Corredor do Lobito é a criação de um quadro regulatório sólido que garanta um ambiente de negócios competitivo e confiável. A implementação de mecanismos de prestação de contas e a adopção de normas internacionais de governança podem melhorar a percepção do país como um destino seguro para o investimento estrangeiro.
O recente congelamento do financiamento norte-americano ao Corredor do Lobito deve ser visto como mais do que um mero revés político ou económico. Trata-se de um alerta contundente para a fragilidade da estratégia de financiamento das infra- estruturas nacionais e da dependência excessiva de capitais estrangeiros. O governo angolano, ao afirmar que os Estados Unidos não eram a única fonte de financiamento para o projecto, demonstrou resiliência e pragmatismo, mas não respondeu à questão essencial: qual é a estratégia de Angola para garantir um modelo de desenvolvimento auto-sustentado e soberano?
Um activo geopolítico de interesse global
2. O Corredor do Lobito não é apenas uma via-férrea. É uma infra-estrutura essencial para a integração económica de Angola na região, ligando o Atlântico às zonas mineiras da República Democrática do Congo e da Zâmbia. A sua modernização permitiria impulsionar as exportações, diversificar a economia e reduzir a histórica dependência do petróleo. Além disso, a sua expansão e bom funcionamento poderiam transformar Angola num hub logístico regional, reforçando a sua relevância no comércio transafricano e alavancando a posição do Porto do Lobito como um ponto estratégico para a exportação de minérios e outros produtos.
Para além dos benefícios comerciais, a dinamização do Corredor do Lobito pode criar milhares de postos de trabalho, impulsionar pequenas e médias empresas ao longo do trajecto e fomentar o crescimento urbano em torno das infra-estruturas ferroviárias e portuárias. A melhoria da conectividade entre Angola e os seus vizinhos pode, ainda, fortalecer os laços diplomáticos e económicos, garantindo maior estabilidade e segurança na região.
A sua viabilização, no entanto, requer um modelo de financiamento que não sujeite o país a ciclos de dependência externa. Este corredor representa uma oportunidade para Angola redefinir a sua política económica e infra-estrutural, garantindo um crescimento sustentado e independente.
Financiamento: Opções e riscos
A saída dos Estados Unidos deste projecto expõe a vulnerabilidade de uma abordagem de financiamento excessivamente dependente de actores externos. Isto deve ser um incentivo para Angola diversificar as suas fontes de capital. Algumas opções encontram-se disponíveis, mas não estão isentas de desafios:
I. China: Solução ou Armadilha? Pequim tem sido um financiador generoso das infra-estruturas africanas, mas essa parceria tem-se revelado, em muitos casos, um fardo de endividamento pesado. Angola deve ser cautelosa, ao negociar novos acordos com a China, garantindo que os termos sirvam os interesses do país a longo prazo. Deve-se evitar compromissos unilaterais que possam limitar a capacidade do Estado de gerir os seus activos estrategicamente.
II. Instituições multilaterais. O Banco Africano de Desenvolvimento e o Banco Mundial poderiam ser alternativas, mas essas instituições exigem elevados padrões de transparência e governação. Angola precisa de robustecer os seus mecanismos de auditoria para atrair esse tipo de financiamento. Além disso, deve-se avaliar a flexibilidade dessas instituições para financiar infra- estruturas sem impor condicionalismos excessivamente restritivos.
III. Fundo Soberano e Captação de Capital Interno. O Fundo Soberano de Angola (FSDEA) foi criado para financiar infra- -estruturas estratégicas. No entanto, a sua capacidade efectiva para tal continua uma interrogação. Paralelamente, a emissão de obrigações do tesouro poderia mobilizar investidores internos e externos interessados num retorno de longo prazo. Isso permitiria que capitais privados participassem activamente na modernização do Corredor do Lobito sem comprometer a soberania económica do país.
IV. Parcerias Público-Privadas (PPP). A concessão do Corredor do Lobito a um consórcio internacional foi um avanço, mas é necessário aprofundar o modelo de PPPs para atrair investidores que assegurem eficiência operacional e sustentabilidade. Criar um ambiente de investimento estável, com regulamentos claros e previsíveis, é essencial para dar confiança aos investidores privados. O desenvolvimento de incentivos fiscais e garantias contratuais pode ser uma ferramenta essencial para tornar os projectos de infra-estrutura mais atractivos para o capital privado.
Boa governança: A chave para a sustentabilidade
Não importa a origem dos recursos, se estes não forem geridos com rigor e transparência. Angola tem um histórico de desvios e ineficiências que comprometem a confiança dos investidores. É imperativo implementar mecanismos rigorosos de fiscalização e auditoria, bem como assegurar que qualquer novo acordo de financiamento seja amplamente debatido e sujeito a escrutínio público. Além disso, deve-se promover uma cultura de responsabilidade e eficiência na gestão dos recursos públicos.
Um aspecto fundamental para a sustentabilidade do Corredor do Lobito é a criação de um quadro regulatório sólido que garanta um ambiente de negócios competitivo e confiável. A implementação de mecanismos de prestação de contas e a adopção de normas internacionais de governança podem melhorar a percepção do país como um destino seguro para o investimento estrangeiro. A transparência e previsibilidade nas relações contratuais podem fortalecer a confiança dos investidores e garantir a estabilidade necessária para a concretização do projecto.
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