"Bater ficha" é a esperança de muitos angolanos para "fugir" à pobreza
Na falta de empregos formais e com a degradação das condições de vida, as "fichas" têm cada vez mais adeptos. Muitos procuram nas 'fichas' uma renda alternativa ou uma via para fugir à pobreza. Mas para a maior parte o caminho conduz a um beco sem saída, onde perdem o pouco que têm.
No dia-a-dia, ao passar pelas ruas da cidade ou na periferia, é fácil ver grupos de pessoas de diferentes idades e classes sociais reunidos num ponto de apostas desportivas, ou melhor dito, a "bater fichas". O Expansão foi acompanhar de perto esta realidade e constatou que a maioria dos apostadores procura nas "fichas" um meio de escapar à pobreza, num contexto em que o desemprego aperta.
A taxa de desemprego do País, segundo apurou o Expansão com base nos dados do I trimestre do Instituto Nacional de Estatística (INE), ronda os 29,4%, o que quer dizer, na prática, que, por cada 10 pessoas com emprego em Angola, oito sobrevivem à conta de biscates e de outras actividades informais.
Neste número não escapam os apostadores de "fichas" que, mesmo encontrando-se em situação de desemprego, não deixam de gastar, pelo menos, 200 Kz por dia nos jogos sociais, o que faz engrossar as receitas fiscais dos jogos, um universo que movimenta muito dinheiro. Segundo dados do Instituto de Supervisão de Jogos (ISJ), no primeiro semestre de 2025, o Estado arrecadou com os jogos, no geral, uma receita fiscal de 13,23 mil milhões Kz, representando um aumento de 64,2% em relação ao período homólogo de 2024. Uma parte deste bolo provém dos jogos sociais.
Quando dizem "bater ficha", explicam apostadores, referem-se àquele momento de profunda concentração em que fazem a análise das equipas de futebol ou outro desporto com base nas estatísticas, probabilidades e sorte, combinação que vai fazer parte da aposta na escolha do resultado do jogo, seja como vencedor, perdedor, empate ou outra categoria.
"Não é fácil elaborar ficha, é preciso técnica, conhecimento e muita sorte", apontam apostadores, habituados ao preenchimento quase diário do boletim de apostas.
Nesta lógica, "bater ficha" são apostas desportivas legais que fazem parte da categoria de jogos sociais, reconhecidos pela Lei n.º 17/24, de 28 de outubro de 2024, que incluem apostas desportivas à cota - como fazem a Elefant Bet e a Premier Bet -, hípicas - corrida de cavalos - e outras permitidas mediante licença pública. Este tipo de apostas é diferente dos jogos de fortuna e azar, praticados em casinos.
Perdas não matam esperança
Apesar de haver mais derrotas do que vitórias, como relatam ao Expansão, os apostadores mantêm a esperança de contornar a pobreza e o desemprego, ajudar a realizar sonhos ou retirar algum dinheiro para cobrir as necessidades básicas, numa altura em que o aperto financeiro não deixa margens para quase nada. Daniel Damião, por exemplo, é professor numa escola privada onde reina a precariedade, e tem nas "fichas" uma fonte alternativa de rendimento e, por vezes, de desgraça. O jovem admite ser viciado nas apostas e enfrenta problemas de dependência do jogo, que geram problemas financeiros, emocionais e isolamento social. Mesmo assim, não consegue ficar um dia sem apostar.
Prefiro investir os únicos 200 Kz que tenho no bolso para bater ficha e esperar alguma coisa, do que usar esse dinheiro para comprar alimentos ou gastar noutra despesa. A minha esperança é vir a ganhar milhões neste jogo", esclareceu Daniel, que já teve problemas com a família por colocar o dinheiro do seu sustento nas "fichas".
Como foi revelado pelos "batedores de fichas", nestas apostas nem tudo é uma maravilha. Aliás, "são mais as derrotas do que as vitórias". No entanto, mesmo sabendo que a sorte é um factor predominante no mundo das apostas, quando a "ficha molha" - termo usado pelos apostadores para dizer que perdeu a aposta - é visível a decepção no olhar dos apostadores. Mas rapidamente renovam a esperança, pelo desejo de escapar da pobreza ou de ganhar milhões, ficando "amarrados", desta forma, ao vício do jogo.
Leia o artigo integral na edição 839 do Expansão, de Sexta-feira, dia 15 de Agosto de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)