Ciclo da descida da inflação inverte-se com aceleração mensal dos preços
O ciclo da inflação inverteu-se. Pelo segundo mês consecutivo a inflação mensal voltou a subir: passou de 1,21% para 1,47%, uma aceleração de 21%. Ainda não se reflectiu na inflação homóloga, que voltou a baixar para 19,48%, mas a este ritmo, no próximo mês, a inflação homóloga vai voltar a subir.
A análise da evolução mensal da inflação permite perceber os ciclos de crescimento e decréscimo da aceleração dos preços no consumidor final. Se olharmos para os últimos 17 meses, percebemos que nos primeiros cinco meses de 2024 a taxa foi elevada e crescente numa primeira fase, com valores que oscilaram entre 2,49% e 2,61%, o que empurrou a inflação homóloga para o valor mais elevado dos últimos oito anos, 31,09% em Julho de 2024.
A partir deste mês, a inflação mensal iniciou um ciclo de decréscimo, que se estendeu durante cerca de 12 meses, tendo atingido o valor mais baixo em Maio de 2025, 1,17%, iniciando nos dois últimos meses um novo ciclo de crescimento. Se a inflação mensal se fixasse em 1,2% teríamos um valor anualizado de 15,5%, muito em linha com o previsto pelo Ministério das Finanças para a inflação homóloga no final do ano. Contudo, as pressões inflacionistas resultantes da segunda subida dos combustíveis, nomeadamente do gasóleo, a 4 de Julho deste ano, alteraram este cenário. Com estas condições pode prever-se que a inflação homóloga possa crescer já no próximo mês, o que não acontecia desde Julho de 2024.
Os dados de Julho de 2025 apontam para um agravamento da inflação mensal para 1,47%, acima da inflação de Março. Veremos como evoluirá a inflação nos próximos meses, sendo que um valor mensal acima de 1,5% corresponderá a um valor no final do ano de aproximadamente 20%.
"Não é surpreendente a inflação estar a inverter a tendência de quebra iniciada há precisamente um ano, em resposta à retirada dos subsídios aos combustíveis e ao subsequente aumento dos preços de venda do gasóleo e gasolina. Além do efeito directo sobre a categoria "Transportes", que pesa um pouco mais de 5% no Índice de Preços do Consumidor (IPC), um aumento dos preços tem impacto nos custos de alimentos, vestuário, calçado, mobílias, electromésticos (por via do aumento do custo dos transportes), mas também nos custos de produção de muitas empresas e nos orçamentos domésticos das famílias.", defende o economista Álvaro Mendonça, que acrescenta: "Se o governo levar avante a recomendação do FMI e retirar integralmente os subsídios, então o preço dos combustíveis vai duplicar, aproximando-se dos preços de mercado. E não é preciso ser economista para prever que a inflação vai ter de acomodar esse aumento."
As recentes manifestações em Luanda terão, para já, adiado o plano de retirada gradual do subsídio dos combustíveis, que previam novos aumentos já em Setembro.
Inflação homóloga
Entre Janeiro de 2021 e Julho de 2025, tivemos um período de 12 meses de aceleração da inflação homóloga, entre Janeiro de 2021 (24,4%) e Janeiro de 2022 (27,7%), ao que se seguiu um período de desaceleração de 15 meses até Abril de 2023 (10,6%), seguido de novo período de aceleração também de 15 meses, até Julho de 2024 (31,1%). Desde então, o novo período de desaceleração da inflação homóloga já leva 12 meses. O que acontece, entretanto, é que, durante esse período, os níveis de inflação (variando entre os 10,6% e os 31,1%) sempre se apresentaram elevados, com a média a registar 22,3%, sinal de persistente instabilidade macroeconómica.
O economista Neto Costa, que foi ministro da Economia entre Julho de 2019 e Janeiro de 2020, explica: "Então, estamos perante uma realidade que não é nova e que, consequentemente, nada há de trazer de novo para a economia nacional. E essa realidade corresponde à falha do Banco Nacional de Angola (BNA) no cumprimento da sua missão principal enquanto banco central e emissor da República de Angola, que - nos termos do artigo 3.º da Lei do BNA (a n.º 24/21, de 18 de Outubro) - é "garantir a estabilidade de preços de forma a assegurar a preservação do valor da moeda nacional". Assim é que se calcula que o poder de compra do kwanza em 31/07/2025 era de apenas 41% do poder de compra que tinha em 31/12/2020."
Num artigo publicado esta semana no Expansão (ver página 45), Heitor Carvalho refere que "o índice de inflação referente ao fim da legislatura anterior atinge, em Junho, 183,60 em Luanda e 170,42 no total nacional. No espaço de 2 anos e 9 meses desta legislatura, os preços em Luanda cresceram cerca de 84% a um ritmo médio anual composto de cerca de 25%%, e no total nacional cerca de 70%, a um ritmo médio anual composto de cerca de 21%! É esta, talvez, a melhor medida do descontentamento popular!"
O impacto do preço dos combustíveis não é maior na inflação porque a classe dos Transportes vale apenas 5% da composição do Índice de Preços (IPC), sendo que classe de Alimentação e Bebidas vale 61,8%, é por esta via indirecta, fundamentalmente, que impacta no valor da inflação (ver caixa). Álvaro Mendonça mantém algum optimismo face a esta onda inflacionista: "Acredito que será um "choque" temporário, duro para os apertados orçamentos de empresas e famílias, mas temporário, com um impacto de, no máximo, 12 meses. Um pouco à semelhança do que aconteceu aquando da liberalização do mercado cambial, com uma forte quebra do Kwanza, nos primeiros 12 meses, que depois se foi atenuando até chegarmos à situação actual, em que a desvalorização hoje se faz pouco sentir. O mercado ajustou-se".
Leia o artigo integral na edição 839 do Expansão, de Sexta-feira, dia 15 de Agosto de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)