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Opinião

Angola no Campo de Batalha do Comércio Externo (2002–2022): Estratégia, Dependência e Guerra Invisível

CONVIDADO

No arco de duas décadas, Angola travou uma guerra silenciosa. Viveu o êxtase da abundância, experimentou o luto do colapso, procurou a disciplina da reconstrução. O Trade (% do PIB) é apenas o termómetro visível desta guerra, mas as causas profundas residem na dependência estrutural, na fragilidade social, no atraso tecnológico e nas vacilações políticas.

O comércio, mensurado em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), não é mero sinal numérico: é o sismógrafo secreto que regista os abalos do poder e as convulsões da soberania. É a radiografia implacável das forças que arrastam uma nação no xadrez global. Soma de exportações e importações em confronto com a produção interna, denuncia até que ponto um país respira pelo fôlego do exterior ou sustenta, com pulmões próprios, a sua sobrevivência.

No caso de Angola, entre 2002 e 2022, o Trade (% do PIB) não foi apenas um gráfico de estatísticas: foi uma epopeia. Nela ecoam vitórias e desaires, alianças precárias e traições silenciosas, ciclos de exuberância e travessias em desertos áridos.

Tal qual uma guerra invisível, cada fase desta marcha histórica exigiu disciplina e sangue-frio, previsão longínqua e flexibilidade de aço. A batalha do comércio não se trava apenas nos cais e nas alfândegas; desdobra-se nas consciências, infiltra-se nas salas do poder e no modo como uma sociedade se organiza para resistir ao choque inevitável entre dependência e autonomia.

FASE I. | 2002-2008

O triunfo da abundância petrolífera

É sempre aconselhável calcular a nossa própria força e não realizar alianças com pessoas mais poderosas do que nós.

Esopo, Fábulas, século VI a.C.

O ano de 2002 ergueu-se como aurora de império renascente. O silenciar das armas abriu a estrada da reconstrução nacional, e o petróleo tornou-se simultaneamente espada cintilante e escudo protector. O comércio externo elevou-se acima dos 100% do PIB, atingindo em 2008 o clímax de 121%, como se Angola respirasse unicamente pelo pulmão do crude.

Mas cada triunfo encerra o seu veneno. A opulência escondia a armadilha das alianças com titãs estrangeiros do capital, que alimentavam a máquina económica à custa de dependência corrosiva. O aliado de hoje - petróleo caro e abundante - estava já prenhe da possibilidade de se transfigurar no inimigo de amanhã, quando os mercados oscilassem. A lição militar murmurava: a verdadeira força de um exército não está no fulgor das armas visíveis, mas no arsenal oculto que sustém a sua retaguarda.

FASE II. | 2009-2013

O início do declínio

Cuidado com as alianças sentimentais em que a consciência de boas acções é a única compensação para sacrifícios nobres.

Otto von Bismarck, 1815-1898

A crise financeira mundial de 2008 foi o primeiro teste à couraça da economia angolana. Ainda que 2009 registasse o pico de 122% - reflexo de contratos firmados antes da tormenta - a descida tornou-se inevitável: 104% em 2010, 99% em 2011, 91% em 2012, 86% em 2013.

Ficava exposta a lição: alianças forjadas na euforia não resistem à tempestade. O País revelava-se refém de um único recurso, o petróleo, essa aliança sentimental alimentada pela memória de sacrifícios e pela promessa de progresso. A desigualdade social abria-se em fractura, a centralização política sufocava a inovação, e a vulnerabilidade perante o mercado global corroía a confiança no futuro.

A arte da guerra ensinava: o segredo está em discernir os aliados temporários - crédito externo, mercados asiáticos, investidores oportunistas - e em compreender que nenhum deles serve eternamente os interesses de uma nação.

FASE III. | 2014-2017

O colapso e a vulnerabilidade exposta

A primeira qualidade de um general-chefe é ter uma cabeça fria que receba impressões exactas das coisas, que nunca fica exaltada, que nunca permite a si própria turvar-se ou ser intoxicada por boas ou más notícias.

Napoleão Bonaparte, 1769-1821

O colapso dos preços internacionais do petróleo entre 2014 e 2017 fez tremer o império económico. O comércio externo mergulhou para 79% em 2014 e desabou até 52% em 2017. Foi o teste supremo da liderança: manter a cabeça fria, como exigia Napoleão, em meio ao bombardeio constante de más notícias. Aqui ressoa a máxima da sobrevivência:

"Não há nada pior do que sentir dependência relativamente a outras pessoas"

A dependência extrema do petróleo, dos humores dos mercados externos e da rigidez do aparelho político revelava-se o calcanhar de Aquiles. A guerra comercial não requeria apenas músculos económicos, mas disciplina mental: discernir entre batalhas triviais, que se podem delegar, e confrontos decisivos, que reclamam comando supremo.

Leia o artigo integral na edição 842 do Expansão, de Sexta-feira, dia 05 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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