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Opinião

Hospitais municipais e a realidade da contratação pública em Angola

CONVIDADO

A contratação pública em Angola representa um passo importante rumo à boa governação e à eficiência na utilização dos recursos do Estado. No entanto, para que esse sistema funcione plenamente, é preciso enfrentar os desafios práticos que ainda persistem, especialmente no sector da saúde.

A busca por maior eficiência na gestão das finanças públicas tem levado os governos a adoptarem mecanismos mais transparentes e competitivos na aquisição de bens e serviços. Em Angola, essa missão ganhou um novo impulso com a criação do Serviço Nacional de Contratação Pública (SNCP), órgão tutelado pelo Ministério das Finanças, cuja função é assegurar a regulamentação, fiscalização e supervisão do sistema de contratação pública.

O SNCP tem como objectivo garantir que as entidades públicas contratantes escolham, por meio de concursos públicos, as empresas que apresentem as melhores propostas, com base no binómio preço-qualidade. Essa abordagem visa não apenas a boa gestão dos recursos do Estado, mas também o combate a práticas de favoritismo, como o nepotismo e o compadrio, que historicamente comprometeram a eficácia da administração pública.

Um exemplo prático da aplicação deste modelo pode ser observado nos hospitais municipais. Estas unidades de saúde, fundamentais para a prestação de cuidados médicos à população, dependem da contratação de diversos serviços e fornecimentos: limpeza, jardinagem, segurança, telecomunicações, alimentação para pacientes e funcionários, medicamentos, manutenção de ambulâncias, combustível, entre outros.

Embora o ideal seja contratar empresas locais ou regionais, fomentando assim a economia das comunidades onde os hospitais estão inseridos, a realidade mostra que muitas dessas empresas estão sediadas em Luanda. Essa centralização pode dificultar a resposta rápida às necessidades locais e comprometer a eficiência dos serviços prestados.

A obrigatoriedade de concursos públicos é, sem dúvida, um avanço. No entanto, a sua eficácia depende de outros factores igualmente importantes, como a disponibilidade de fundos de maneio para os hospitais. Muitos destes estabelecimentos não dispõem de recursos imediatos para cobrir despesas urgentes, como o abastecimento de combustível para ambulâncias ou a substituição de um pneu furado. Em situações extremas, são os próprios motoristas ou familiares dos pacientes que arcam com esses custos, e sem o devido reembolso.

Além disso, há relatos de empresas contratadas que não recebem pagamentos há mais de 12 meses. Esse atraso compromete a capacidade dessas empresas de manter os serviços, pagar salários e adquirir os materiais necessários. O resultado é uma queda na qualidade do atendimento hospitalar, afectando directamente os cidadãos.

Diante deste cenário, torna-se imperativo que o Tesouro Nacional actue com maior celeridade na transferência de verbas para os hospitais e no pagamento às empresas prestadoras de serviços. A contratação pública só será verdadeiramente eficaz se for acompanhada de uma gestão financeira que assegure a continuidade e qualidade dos serviços essenciais.

A transparência e a legalidade nos processos de contratação são pilares fundamentais, mas não podem ser vistas de forma isolada. É necessário garantir que os hospitais tenham autonomia financeira mínima para responder a emergências e que os contratos firmados com empresas sejam honrados em tempo útil.

A contratação pública em Angola representa um passo importante rumo à boa governação e à eficiência na utilização dos recursos do Estado. No entanto, para que esse sistema funcione plenamente, é preciso enfrentar os desafios práticos que ainda persistem, especialmente no sector da saúde. A transparência deve caminhar lado a lado com a sustentabilidade financeira e o compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população.

*Francisco Miguel Paulo, Economista e Investigador

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