O fio invisível: Conteúdo local, império e o direito de construir
Não se pode manter a mesma arquitetura económica e esperar um resultado diferente. As multinacionais não irão, por vontade própria, construir a capacidade industrial de Angola. Esse dever cabe ao próprio país.
O futuro económico de Angola pode depender das lições do passado industrial dos Estados Unidos - e da urgência de recuperar a cadeia de valor antes que seja tarde demais.
Num campo tranquilo nos arredores de Filadélfia, um grupo de ferreiros americanos moldava ferro sob ameaça de silêncio. Os seus martelos falavam no lugar de línguas proibidas, forjando mosquetes e rodas de carroça não apenas para a guerra, mas para a independência - para o direito de fabricar, possuir e transferir conhecimento técnico sem a autorização de uma potência estrangeira.
Do outro lado do Atlântico, em Angola, três séculos depois, jovens engenheiros observam plataformas petrolíferas e mapas sísmicos projectados noutro lugar, com as suas ideias filtradas por contratos redigidos em Londres ou Houston. A maquinaria é diferente, mas a pergunta permanece: quem tem o direito de construir o futuro de uma nação? E o que acontece quando essa resposta não está dentro do próprio país?
Esta é uma história sobre soberania - não aquela declarada nas Nações Unidas, mas a que se forja em oficinas, se escreve nas cadeias produtivas e se conquista pela produção local. É também uma história de oportunidades perdidas e de um centro produtivo ausente - de como o futuro económico de Angola pode depender de aprender com o passado industrial americano e de recuperar a sua cadeia de valor antes que seja tarde demais.
No século XVIII, os Estados Unidos ainda não eram um país. Eram uma colónia - rica em recursos, mas sem permissão para usá-los plenamente. A Coroa Britânica, temendo a concorrência industrial, proibia ou restringia severamente a manufactura local. As colónias podiam cultivar algodão, extrair ferro, cortar madeira - mas deviam enviar tudo para o Reino Unido, onde o verdadeiro valor era agregado. Até mesmo a circulação de conhecimento técnico era controlada.
Mas os colonos reagiram. Construíram as suas próprias forjas, abriram gráficas clandestinas, criaram redes de troca de conhecimento. Quebraram regras. E construíram. O que chamaram de liberdade começou, de forma muito concreta, como o direito de produzir.
Avançando para o século XXI, Angola é independente por lei, mas ainda profundamente entrelaçada numa estrutura económica externa. O petróleo flui em abundância, mas o conhecimento e a infraestrutura que o rodeiam - engenharia, manutenção, logística, sistemas digitais - permanecem maioritariamente nas mãos de outros. Angola procurou mudar isso por meio de políticas de conteúdo local, exigindo que as operadoras internacionais invistam em quadros angolanos, contratem fornecedores locais e promovam a transferência de conhecimento.
Mas os resultados ainda são modestos. Em 2023, apenas 1,9% dos gastos operacionais do sector de petróleo e gás - cerca de 271 milhões USD - foram captados por empresas e serviços angolanos. Isso significa que 98,1%, ou aproximadamente 14 mil milhões USD, da cadeia de valor desse sector continuam no exterior. Isso não é uma economia local; é um posto avançado.
O contraste com o desenvolvimento industrial americano é gritante. Entre 1790 e 1840, os Estados Unidos deixaram de ser exportadores de matéria-prima para se tornarem numa potência industrial. O ponto de viragem foi quando pararam de enviar algodão cru para as fábricas britânicas e passaram a processá-lo internamente, nos moinhos da Nova Inglaterra. A produção industrial disparou. Empregos foram criados. O conhecimento floresceu. As bases da independência económica foram lançadas.
Angola, por outro lado, ainda exporta o seu "algodão" simbólico - e aluga as camisas de volta.
No meio político angolano, uma verdade silenciosa ganha cada vez mais força: Angola não pode ter uma economia construída com as multinacionais de um lado e o governo e as suas agências do outro, enquanto no meio não há nada.
Esse meio - o sector empresarial nacional, produtivo, técnico e competitivo - ainda é frágil. E sem esse núcleo, não há base sólida para uma economia resiliente. O governo gasta. As operadoras internacionais extraem. Mas entre os dois, a engrenagem que sustenta economias saudáveis - a cadeia produtiva local - está perigosamente ausente.
As ferramentas do império mudaram. Antes eram casacas vermelhas e cartas reais. Hoje são cláusulas contratuais, critérios de exclusividade e barreiras de "maturidade de compliance" que excluem empresas locais. Não é a ausência de políticas que enfraquece o conteúdo local. É a ausência de vontade política para que ele tenha real significado
Leia o artigo integral na edição 836 do Expansão, de Sexta-feira, dia 25 de Julho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)
*Christian Bin Issa, Director Geral, Angola Integrated Services