"Nós artistas temos de ser mais solidários com o povo"
No ano em que o País celebra 50 anos de Independência, Nanutu celebra meio século de saxofone. Ao Expansão conta o seu percurso, desde os desafios às conquistas, e menciona a necessidade de Luanda ter um festival internacional de música.
Completa 50 anos de carreira. Qual é o balanço que faz?
O balanço é positivo, porque é uma carreira não contável, com essa longevidade. E, acima de tudo, que é a parte mais importante, é ter uma carreira a solo, conseguir chegar a todo o País, gravar CDs, consolidar essa carreira a nível internacional e uma das partes mais importantes que é popularizar o saxofone na música angolana. Foi um acaso, são coisas que foram acontecendo e de certa forma agora há uma nova geração que está a surgir e ainda bem, todos eles dizem que foram influenciados pelo Nanutu, afinal de contas, após a nossa Independência teria de haver sempre o primeiro. E eu tive essa sorte, passo o termo, também acima de tudo o acreditar e ver a possibilidade de uma carreira a solo que, praticamente, surgiu assim à vista, a partir dos anos 80.
Como surgiu a paixão pelo saxofone? Teve alguma influência?
Não, eu não fui influenciado. Na música, sim, no geral da música. O meu primeiro instrumento foi bateria. Mas era de forma desportiva, até porque eu estava no inter
Na época era um adolescente...
Sim, éramos miúdos, éramos vários escolhidos, mas na banda da JMPLA eram todos adultos e eu era o mais novo. Ainda como menor fui para o conjunto FAPLA Povo, onde os líderes eram David Zé, Urbano de Castro, Arthur Nunes, Santocas e outros artistas. Portanto, como devem perceber, é um processo nada fácil num País em guerra, que temos que nos adaptar, a fome incluída, não havia mantimentos, e tornei-me militar nessa altura. Mais tarde, quando saio das FAPLA Povo, é que eu vou a uma opção.
Qual era essa opção?
Havia várias opções, e é uma história que nunca contei. Depois do FAPLA Povo, eu tinha escolhido o Conjunto dos Merengues, porque era o grupo mais representativo e porque tinham instrumentistas de sopro e os saxofonistas eram mais velhos que não faziam da música uma profissão. Mas ainda nas FAPLA Povo havia dois elementos que faziam parte dos Jovens do Prenda, que eram o Gabi Monteiro e o Chico Montenegro e eram os meus padrinhos no grupo, então estava a ser encaminhado para os Jovens do Prenda. Neste processo, surge um terceiro grupo, que são os Kiezos, onde o Juventino também tinha falado comigo para eu lá ir. Mas tanto os Kiezos como os Jovens do Prenda não tinham instrumentistas de sopro. Então, a opção foi fazermos uma troca. O meu colega Massy, saxofonista, foi para os Jovens do Prenda, isto foi tudo combinado entre nós, e eu torno-me saxofonista dos Merengues. Portanto, é um bocadinho parte da carreira nunca contada...
Foi a melhor escolha, os Merengues?
Penso ter sido a melhor escolha por um motivo muito simples. Independentemente dos instrumentistas de sopro, os Merengues tinham um líder, que era o Carlitos Vieira Dias, e outros mais velhos que, de certa forma, foram a educação que precisava e o encaminhamento necessário para a música e disciplina acima de tudo. E uma das coisas que aprendi com eles foi a introdução dos instrumentos de sopro no estilo semba. Os Merengues foi o grupo-mãe neste projecto. E é assim que nós introduzimos o toque do carnaval na música angolana, mas fomos buscar tradicionalmente o Kabocomeu e o Kiela.
Acha que hoje falta a introdução desse toque cultural nas músicas produzidas actualmente?
Sim, há uma falta de conhecimento da música tradicional, que é o nosso alicerce, porque foi daí que eu essencialmente bebi, e porque tive a sorte também de ter estes mais velhos que indica vam, porque eles diziam que, acima de tudo, para além do instrumentista, nós tínhamos de aprender a essência, os instrumentos tradicionais que se usam, como ngoma, a dikanza e outros. Portanto, era obrigado a aprender estes termos todos, porque era a essência. E essa é a parte do alicerce que hoje faz falta na generalidade da música angolana, embora haja uma geração de mais velhos que estão a tentar manter e não está fácil.
Há essa passagem de testemunho?
Há alguma passagem de testemunho. Temos de agradecer um bocadinho à escola do Jorge Mulumba, do grupo Nguami Maka, que tem uma escola de percussão a esse nível, mas tem de haver mais. Quantos investimentos, quantos patrocínios, quan- tas organizações hoje em dia investem nos instrumentos ocidentais, como orquestras com violinos e violoncelos para as nossas crianças aprenderem, mas esquecem-se de que as nossas crianças nasceram na República da Angola, estão no continente africano e têm de ter a essência africana, então o investimento terá de ser o inverso, terá de ser acima de tudo na nossa tradição, nos nossos instrumentos tradicionais... Estes são pequenos, grandes detalhes dos déficits que nós temos na música angolana.
Como é que está a celebrar os 50 anos?
Os 50 anos de carreira começaram fora do País, porque a música instrumental angolana nunca foi olhada assim com o devido valor. Portanto, este projecto SAX From Angola começou fora, porque foi lá que eles permitiram e me deram as condições para esta caminhada que tem sido feita até agora.
Leia o artigo integral na edição 813 do Expansão, de sexta-feira, dia 21 de Fevereiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)