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"Hoje vendemos mais no exterior do que aqui, em Angola, devido à crise"

Entrevista a KAPELA PAULO

No momento em que celebra 72 anos, mestre Kapela é alvo da 2.ª edição do tributo "Pai grande nosso, tu és". A exposição colectiva de homenagem, que pode ser vista até 17 de Abril, no Espaço Luanda Arte mostra obras inéditas de 13 "discípulos" do artista.

Como olha para a realização do 2.º tributo ao seu nome?
Estou muito contente com esta homenagem. Pela segunda vez, os artistas reúnem-se para prestar tributo ao meu trabalho. De alguma forma, é o reconhecimento de jovens que acreditam e respeitam o que faço. Agradeço a "deus-Jah [divindade adorada pelo movimento rastafari] por me conceder a honra de mais um aniversário.

O tributo tem como tema "Pai grande nosso, tu és". Considera-se o "pai grande" da nova geração de artistas?
Sim, uma vez que comecei a pintar aos 18 anos e hoje tenho 72. São muitos anos dedicados à arte. Acredito que sou considerado o "pai grande", porque conheço e pratico muitas técnicas. Pinto em óleo, água, com pincel, espátula, colagem, escrituras, enfim. Quem me chama de mestre são os jovens que aprenderam a gostar da arte através de trabalhos meus que foram vendo lá na UNAP (União Nacional de Artistas plásticos].

Os 13 artistas que se reuniram para homenageá-lo podem ser considerados seus seguidores?
Sim, porque alguns deles aprenderam as suas técnicas comigo. Quem já visitou o seu atelier considera-o um santuário... Sim, porque no meu espaço sempre tive a presença de amor e paz. As pessoas que visitavam o atelier encontravam uma cruz de Jesus Cristo. Fui misturando fenómenos de religião e rastas. Por falta de electricidade, passei a usar velas para iluminar a UNAP, que é um espaço muito grande. Julgo que vários factores levaram os jovens artistas a considerar o meu atelier na UNAP um santuário.

O seu trabalho é reconhecido ou acha que merecia mais?
Podia receber mais reconhecido, mas sou do tipo de pessoa que não cobra nada, que sei o que é meu por direito. Prefiro não contestar para evitar conflitos. Fui inscrito na UNAP em 1993, mas as pessoas foram ganhando anticorpos contra mim. Comecei a ser assaltado, ameaçado e pressionado a abandonar o espaço. Fui-me deixando levar, porque não gosto de confrontos.

Qual das técnicas é a sua preferida: pintura, instalação, escritura, fotografia?
Gosto de todas, mas prefiro a "Potopoto" [técnica da República do Congo] por ser a primeira técnica que aprendi e a mais complexa. Faz parte da minha juventude, da minha iniciação na arte. Face às dificuldades que encontrei no meu regresso a Angola, por ser período de guerra, passei a explorar outras técnicas.

A foto em si não chega para se expressar e precisa de escrever por cima delas?
Em 1992, quando estive na UNAP, devido ao período da guerra, tive dificuldades de obter materiais, como tintas e telas, para trabalhar a técnica "Potopoto", que considero a minha primeira escola. Passei então a aproveitar recortes de jornais, com imagens de entidades angolanas e congolesas para transmitir os meus sentimentos.

A crise interfere na realização dos seus projectos?
Muito. Aqui quase não conseguimos vender nada, lá fora sim, apesar de não ser a mesma quantidade de antes. Fazemos feiras em Paris, França, Joanesburgo e Cidade do Cabo, África do Sul, e em Portugal, que também tem boas colecções. A arte ainda é pouco promovida, em Angola, no geral. Diria mesmo que sou mais conhecido fora do que em Angola.

Mestre quer viajar mais para acompanhar a sua arte

Kapela Paulo, ou simplesmente Mestre Kapela, é orientador espiritual e artístico de muitos dos jovens que se iniciam no mundo das artes, em Angola. Aos 72 anos, 54 dos quais dedicados à arte, o Mestre disse que as suas motivações continuam as mesmas, apesar das dificuldades que já enfrentou no seu percurso.

Natural de Maquela do Zombo, Uige, cedo teve de partir para o Congo Kinshasa logo após a morte dos pais. Foi ali que aprendeu as bases da pintura e se tornou autodidacta, sem frequentar qualquer formação académica de nível médio ou superior.

Participou na primeira bienal de Joanesburgo, em 1995, ao lado de artistas como António Ole e Van. Hoje acredita que precisa de viajar mais para acompanhar as suas obras, que são mais conhecidos do que ele. A bíblia e as colectâneas de outros artistas são os livros que o acompanham. Nos tempos livre dedica-se à caminhada, à volta do bairro, na Vila Alice, onde reside.