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Opinião

Os nossos pavões

Editorial

No reino das quimeras vive-se um momento de escassez. Os tempos estão difíceis mesmo para aqueles que no passado partilhavam os seus excessos de forma generosa com mais humilde, num exercício de bondade que esperavam ver reflectida na sua salvação. Muitos mantêm os cofres cheios, mas esconderam- nos e têm agora mais medo de exibir as bonitas vestes que traziam regularmente do estrangeiro.

Outros perderam mesmo essa capacidade e apenas lhes restou virarem-se para os novos arco-íris, na tentativa última que o brilho lhes toque de novo. E, curiosamente, com o passar do tempo estão a unir esforços porque, na verdade, têm o mesmo objectivo - voltar a passear as suas penas de forma altiva, voltarem a demarcar-se dos comuns, aqueles que no passado lutavam diariamente para sobreviver e que hoje fazem exactamente a mesma coisa.

Calculo que não esteja a ser fácil para eles, até porque agora se vão manifestando com maior intensidade. Uns gritos agudos aqui, um esbracejar mais intenso ali, umas polémicas à mistura, mas o mesmo sentimento. Um total desprezo pela terra que os viu crescer, ou pelo menos, muito longe das suas primeiras prioridades.

Aliás não existe espécie mais estranha, que um pato vestido de pavão. Todos estamos a ver que é um pato, mas a vida empurrou-os para a capoeira dos pavões. Têm penas bonitas, compradas claro, uma postura desalinhada, mas com argumentos capazes de vencer qualquer contestação que venha mais de baixo. Isto porque se a contestação vem de cima, guardam as penas, baixam a cabeça e concordam com tudo.

Lá no cimo da torre, os habitantes da parte mais alta, gostam de ver os pavões a passear cá em baixo. Dão-lhes jeito, fazem o trabalho que não gostam de fazer, e utilizam-nos quando os inimigos se aproximam. Dão sinal. Embora não se possa confiar muito, porque a lealdade não é propriamente a característica mais marcante destas aves.

Os habitantes da parte mais alta também gostam da dança da bajulação que estes lhes fazem sempre que podem, embora não o admitam e até o neguem. Por isso continuam a alimentá-los, ou pelo menos a deixar a comida num local onde eles a possam ir buscar, parecendo que foi por acaso. Eles vão-se alimentando, agora menos porque os tempos estão mais difíceis, mas ainda assim com abundância necessária para que se mantenham fiéis.

Enquanto isso, os comuns continuam a lutar para sobreviver, vivem um pouco pior, mas têm fé e esperança que tudo vai mudar. Acreditam, inventam soluções para os problemas que se colocam e, na sua maioria, vão mantendo a cabeça levantada. E mantêm o País a funcionar.

Editorial da edição 551 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Novembro de 2019, já disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui.