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Opinião

Boas intenções

Editorial

No reino das boas intenções tudo tem uma boa explicação. Sem esquemas, intenções malévolas ou teorias da conspiração, estamos todos unidos na mais verdadeira irmandade, capazes de partilhar sem questionar, de dar sem receber, de abdicar sem perguntar.

Nada nos parece mal, pelo contrário, porque embutidos no mais alto patriotismo somos capazes de compreender quando alguém utiliza indevidamente as verbas do fundo de combate à malária para seu proveito próprio, quando alguém bloqueia propositadamente o desenvolvimento agro-pecuário porque domina o negócio das importações alimentares com os seus parceiros internacionais, ou mesmo quando percebemos que, afinal, as refinarias não foram construídas por uma motivação estratégica pois as importações dos refinados valiam em comissões milhões de dólares todas as semanas.

No reino das boas intenções ninguém acha estranho que alguém possa ser ilibado do assalto, porque devolve uma parte do saque, que apesar do hastear da bandeira da transparência 85% dos investimentos registados do Estado em bens e serviços ainda é entregue por adjudicação directa, valor que curiosamente aumentou no último ano. Também não merece qualquer contestação o facto de, apesar de o País estar num dos últimos lugares do índice de desenvolvimento humano do planeta, ter a mais alta taxa de desemprego de África, ter os filhos dos dirigentes a publicar nas redes sociais imagens de luxos e
extravagâncias, competindo na grandiosidade das mansões e no tamanho dos sacos carregados de notas de 100 dólares.

No reino das boas intenções ninguém acha estranho que se troque constantemente de gestores e governantes, mantendo uma mesma elite que vai revezando nos últimos 20 anos. E mesmo quando entram umas caras novas, ninguém acha estranho que passados poucos anos acabe por sair, voltando um dos tais que era contestado por acções de motivação duvidosa. E é também com naturalidade que se encara o facto de a classe dominante passar horas a discutir o que deve ser o sistema nacional de saúde e à primeira dor de cabeça vai tirar a temperatura à Europa, que dá a cara pela importância da saúde materno-infantil, mas que vai ter os filhos e os netos no estrangeiro.

No reino das boas intenções ninguém acha estranho que não se valorizem os professores, que as infra-estruturas públicas de ensino estejam maioritariamente degradadas, que as escolas não tenham condições e aqueles que podiam alterar esta situação, afinal, têm os filhos e os sobrinhos a estudar lá fora. Ou mesmo que sejam os proprietários das instituições privadas.

No reino das boas intenções quem está desalinhado deste discurso deve ser punido por tamanha ousadia e deve merecer mesmo o rótulo de mal-intencionado. E deve-se mesmo mostrar-lhe que está a mais neste universo.