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E então: vais ficar na gaiola ou começar a voar?

CAPITAL HUMANO

Só num complexo e muitas vezes longo e doloroso exercício de autoconhecimento conseguimos perceber que as nossas reacções são, muitas vezes, mecanismos de defesa. Apenas na desconstrução dos mesmos nós nos poderemos libertar das grades da gaiola e começar a voar.

Quando somos crianças, tudo é novo e fantástico, temos curiosidade, divertimo-nos com as mais pequenas coisas, o colo da mãe cura tudo, o abraço do pai protege-nos de todos os ataques do universo, somos felizes e despreocupados. Quem nos vê, exclama: "É tão bom ser criança...!". Muito bonito, mas, infelizmente, não é sempre assim, pois não? Em pequenos, as críticas criam feridas terríveis no nosso interior. A ausência do pai faz-nos sentir rejeitados, os gritos da mãe e as humilhações infligidas pelas tias fazem-nos sentir vulneráveis e sós. O bullying mostra-nos que não temos valor. Em casa dizem-nos que não podemos ser fracos, que temos de saber reagir. Sentimo- -nos ainda mais inadequados. Sempre que nos maltratam em casa, em crianças, não ficamos contra quem faz isso connosco: ficamos contra nós mesmos. Se o pai ou a mãe nos maltratam, percebemos que nós somos maus, e não eles. Gostamos menos de nós próprios. E como lidar com esses sentimentos tão fortes e, simultaneamente, tão dilacerantes? Criamos mecanismos de defesa: barras de uma gaiola que nos protege no seu interior.

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, fala dos mecanismos de defesa que o ego (princípio da realidade) usa quando entra em conflito com o id (princípio do prazer) e com o superego (princípio da moral), ou seja, quando há ansiedade! A ansiedade pode ser real (medo de ser atropelado numa rua muito movimentada, por exemplo), neurótica (medo de ceder às pulsões mais primitivas do id e ser punido, como, por exemplo, no caso do desejo sexual incestuoso), e moral (medo de infringir os nossos valores e princípios morais, o que leva à vergonha e à culpa, como, por exemplo, quando nos envolvemos com alguém casado). (Cf. Paul Kleinman, Psicologia - tudo o que precisa de saber, Lisboa, Presença, 2017, pp. 24, 25, 29).

Para reduzirmos a tensão criada pela ansiedade, para nos protegermos da falta de amor, da culpa e da vergonha, criamos mecanismos de defesa.

Anna Freud, filha de Sigmund Freud, especializou-se em psicanálise infantil, com um trabalho extraordinário nessa área. Ela é também responsável por identificar os mecanismos de defesa que o ego usa para se proteger. Vejamos alguns deles, e como é que podem ser detectados nas nossas interacções no dia-a-dia (cf. Kleinman, 2017, pp. 30-31):

¦ Negação. Recusamo-nos a admitir o que aconteceu ou está a acontecer. "O que aconteceu não me afecta de maneira nenhuma!" - convencemo-nos, com uma angústia no peito, quando descobrimos que não seremos promovidos.

¦ Deslocamento. Deslocamos a nossa frustração para alguém menos ameaçador. Estamos zangados com o nosso chefe, e gritamos, injustamente, com os filhos, em casa, dizendo que nunca arrumam o quarto.

¦ Projecção. Atribuímos os nossos sentimentos desconfortáveis a outra pessoa. Dizemos: "Não gosto de falar em público, porque vão pensar que eu não sei nada". Quem pensa isso somos nós e não o público! E pensamos isso, porque alguém, injustamente e provavelmente com alguma maldade, nos disse isso quando éramos pequenos.

¦ Racionalização. Criamos justificações credíveis, mas falsas, evitando, de forma inteligente, a causa verdadeira. Dizemos: "Os meus pais precisavam de trabalhar, eram muito esforçados. Por isso ficavam pouco tempo connosco e pediam à tia para tomar conta de nós. Eles não podiam saber o que a nossa tia fazia. Eles não tinham culpa de nada". Racionalizamos, para não encararmos sentimentos confusos e dolorosos, inconscientes, de possível culpabilização dos pais, por exemplo.

¦ Formação reactiva. Temos um comportamento oposto, para escondermos o que verdadeiramente sentimos. Dizemos: "Eu não suporto aquela pessoa!", mas dizemo-lo por medo de rejeição, quando, secretamente, estamos apaixonados por ela. A sabedoria popular adverte: "Quem desdenha, quer comprar".

¦ Regressão. Quando estamos muito preocupados e precisamos de consolo, regredimos para um comportamento infantil. Por exemplo, podemos regredir para o estádio oral (mamar), fumando ou comendo muito.

Leia o artigo integral na edição 768 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Março de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)