"É o momento para as pessoas aprenderem sobre o corpo negro através das minhas peças"
A residir em Portugal, o artista transmite nos seus quadros a necessidade de valorizar as suas origens. Com o olhar no mercado americano, o jovem pretende também dar-se mais a conhecer em Angola.
Está a decorrer a exposição colectiva "Afro Renaissance - Entre o Legado e as Transformações", em Lisboa, onde também está a participar. Como surgiu o convite?
O convite para essa iniciativa em específico foi da parte da startup angolana Afrikanizm Art, que veio ter comigo porque gostaram do meu trabalho e gostariam que me juntasse à plataforma deles. Foi pela curadora Alexandra Martins, e depois tive a oportunidade de conhecer os donos da startup, o João e a esposa, e sinceramente gostei imenso das pessoas em si, gostei da plataforma, da ideia que a plataforma tem relativamente aos artistas.
É uma plataforma oportuna?
O que me fez mesmo aderir também a essa plataforma foi o facto de terem pessoas que compreendem os artistas, de ser também uma plataforma "nova", e eu ter sentido uma certa fome por parte dos fundadores e das pessoas lá em relação ao que querem fazer - querem nos transformar em artistas conhecidos, querem vender especificamente as nossas artes, e juntando esse bolo todo formou-se algo que para mim é atraente, que normalmente é o que eu procuro numa galeria, e foi especial encontrar isso numa plataforma também.
Estão expostas 45 obras. Quantas obras tem representadas?
Tenho lá representadas três peças.
A exposição que fica patente até 9 de Agosto tem como tema "Afro Renaissance - Entre o Legado e as Transformações". Que reflexões traz nas suas obras?
Normalmente represento pessoas da minha família. Eu sempre tive muito gosto em representar pessoas, e como estou sempre próximo da minha família, comecei a representar os meus irmãos, os meus filhos, a minha esposa, os sobrinhos e as sobrinhas. Mas isso aconteceu de forma natural, não é que faça isso de propósito, até porque às vezes acontece eu a andar na rua e apaixonar-me pelos traços de alguma pessoa e convidá-la para ser representada no meu trabalho. Nas três peças estão representadas duas sobrinhas, o meu filho mais novo, o Simão, e o meu filho mais velho, o Gabriel.
Qual é a mensagem que pretende transmitir?
Essas três peças estão todas conectadas, porque falam especificamente sobre nutrição. Passam informação sobre o que devemos nutrir ou dar aos nossos pequenos, que são o nosso presente neste momento, para podermos então ter um futuro melhor, um futuro com uma sociedade mais justa, mais bem informada, mais bem nutrida. E essas três peças falam dessa oportunidade, porque acho que a maioria dos adultos talvez não se dê conta de que é uma oportunidade que temos no presente de melhorar o futuro. A oportunidade vem desta forma, das nossas crianças. É essa oportunidade que eu faço com que as pessoas vejam e reflictam.
Quando começou a pintar?
Comecei a pintar desde que eu me lembro de ter uma certa noção do desenho. Sempre desenhei, desde os meus cinco anos e depois a partir dos nove anos comecei a pintar. Eu sempre gostei de representar pessoas, estudei arquitectura, por exemplo, que me chamou também a atenção em relação à sociedade em si, à maneira como as pessoas vivem.
Profissionalmente, quando começou a pintar?
Estudei arquitectura em Portugal, mas não concluí o curso, parei no quarto ano. Foi um susto enorme para os meus pais. Já não me via como arquitecto. Não é que fosse mal, pelo contrário, mas sempre fui uma pessoa muito ligada à liberdade criativa. E chegou a uma altura em que não me via com essa liberdade no futuro, como arquitecto, especialmente em Portugal. Então viajei para a Hungria, para Budapeste, onde estudei pintura e isso abriu-me um bocado os horizontes. Não em relação ao que eu faço, mas em relação à questão de se eu realmente podia ganhar economicamente com isso. Já pinto há imenso tempo, mas só comecei a mostrar em 2016.
Que balanço faz do seu percurso?
É um balanço bom, sinceramente. Desde que comecei a mostrar a minha arte, tenho tido muito boas críticas. Tenho vendido o que às vezes até surpreende as pessoas. No entanto, acho que a minha arte puxa muito o público estrangeiro, o público americano e o brasileiro, por exemplo, que são mercados muito emergentes, muito fortes neste momento. E, felizmente, são mercados que têm sido atraídos pela minha arte. Agora que me juntei também à Afrikanizm Art, acho que as coisas vão acontecer também um bocado mais depressa.
O que o motivou a representar pessoas?
Durante o meu crescimento sempre fui muito observador e perdia-me muitas vezes na observação, em relação a tudo. Sempre fui muito curioso a nível da observação, em perceber o porquê que as coisas estão assim, especialmente quando as pessoas reagem de certa maneira em relação a certas situações. Eu sou uma espécie de apaixonado pelo ser humano, pelas pessoas em si. E normalmente represento, na sua maioria, corpos negros, porque, ao crescer, como sempre dei muita atenção às artes, fui reparando que não havia essa representatividade de corpos negros no meio ambiente onde eu me inseria.
Isso teve em impacto na formação da sua personalidade?
Criei uma espécie de expectativa em mim. Sempre que entrava numa galeria ou num museu, esperava encontrar lá corpos negros representados, o que se tornava, muitas vezes, numa desilusão, porque não encontrava. E isso fez nascer dentro de mim várias questões. Naturalmente, com um maior desenvolvimento mental, intelectual, e também com mais estudos sobre a nossa história, desenvolvi essa necessidade de representação dos corpos negros para trazer à sociedade algo que nos falta.
Nas suas obras traz a reflexão de que o corpo negro também tem o seu valor?
Sim. É preciso dizer que esses corpos existem e, melhor ainda, existem também em ambientes não destrutivos, esses ambientes que verificamos quase a toda a hora na televisão. Porque eu, estando na Europa, quando vejo na televisão corpos negros, e falo no geral, normalmente são coisas negativas. E não é porque só existam coisas negativas. Como nós sabemos, é porque o europeu sente coisas negativas em relação ao nosso corpo. Isso vincula-se depois na televisão, nas redes sociais. Senti essa necessidade de alterar essa narrativa. E foi por isso que comecei a representar na maioria dos meus quadros pessoas que se encontram em harmonia com ambientes bonitos, ambientes a que nós temos que estar habituados.
Tem acompanhado o mercado das artes plásticas em Angola?
Tenho acompanhado o mercado das artes plásticas de Angola, sim, mais por parte dos angolanos que também estão em Portugal. Tenho muitos amigos artistas angolanos que têm muitas vezes trabalho em Angola, e muitas galerias que também estão ligadas ao mercado angolano, africano, e que também têm extensões em Portugal.
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