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Opinião

Angola e o PIB per capita (2002–2022) A guerra pelo pão e pela soberania

CONVIDADO

A nação, acuada, redirecionou os seus parcos recursos para a sobrevivência: reforço da saúde, renegociação de dívidas, digitalização apressada de serviços públicos. Mas a sensação era a de guarnição entrincheirada sob fogo cerrado: não se avançava, apenas se resistia.

O Produto Interno Bruto per capita, expresso em moeda constante (Local Currency Unit (Unidade Monetária Local)), não é cifra inócua nem abstração contabilística: é o termómetro íntimo da prosperidade ou da penúria de um povo. É o sinal secreto da abundância ou da carestia; a medida da riqueza que, em média, cada cidadão comunga da produção da pátria, já depurada das miragens inflacionárias.

Em Angola, entre 2002 e 2022, este índice converteu-se em diário de guerra da economia: páginas tingidas ora com vitórias cintilantes, ora com reveses dilacerantes. Uma crónica de ascensões fulgurantes, de estagnações traiçoeiras e de colapsos devastadores. Cada etapa desta contenda há de ser lida como capítulo de uma epopeia estratégica, iluminada por máximas que se erguem como estandartes no vasto campo do conflito económico.

FASE I | (2002-2005)

Reconstrução e a primeira vitória da paz

A primeira condição para vencer é acreditar que a vitória é possível.

Sun Tzu, A Arte da Guerra

Em 2002, com um Produto Interno Bruto per capita de 38.400, Angola surgia como campo devastado, mas animado por sopro renascente. A paz, firmada nesse ano, abriu uma frente de reconstrução febril, onde os alicerces ainda fumegavam do conflito. Em 2005, já se alcançavam 45.337, cifra que denunciava uma pátria a renascer das próprias cinzas.

O petróleo erguia-se como arsenal maior desse ímpeto, sustentado por linhas de crédito externas que fluíam como caudalosos rios vindos da longínqua China. Socialmente, o tecido urbano começava a recompor-se com nova fisionomia, erguendo bairros, avenidas e infraestruturas, enquanto nos campos persistia a penúria, como cicatriz teimosa. A guerra findara, mas a verdadeira batalha - a da economia - apenas principiava.

FASE II | (2006-2008)

A euforia do petróleo e o auge ilusório

Quando o ouro jorra em excesso, até os generais se tornam imprudentes.

Máxima financeira inspirada nos ciclos de abundância

Entre 2006 (48.743) e 2008 (57.304), o Produto Interno Bruto per capita elevou-se como maré plena em noite de lua cheia. Angola parecia invencível: estradas renasciam do pó, palácios emergiam nas margens de Luanda, e o país era celebrado como a "terra prometida" do continente africano.

Todavia, a abundância gerava imprudência. O poder central cerrava fileiras em torno do petróleo, esquecendo o desígnio maior da diversificação. No tecido social, a desigualdade cavava trincheiras cada vez mais fundas: uma minoria enriquecia em vertigem, enquanto a multidão permanecia suspensa na orla da sobrevivência.

O auge era tangível, mas prenhe de ilusões. Bastaria o recuo do petróleo - como exército em retirada - para revelar muralhas ocas, erguidas mais em aparência do que em substância.

FASE III | (2009-2014)

Estagnação mascarada e batalha de resistência

Quem defende demasiadas frentes acaba por não defender nenhuma.

Princípio estratégico da dispersão de forças

Com a crise financeira global de 2008, Angola entrou em terreno movediço. O Produto Interno Bruto per capita oscilava como guerreiro fatigado: 55.641 em 2009, 55.893 em 2010, até alcançar 59.232 em 2014. Não era colapso, mas era estagnação disfarçada de resistência.

O petróleo, outrora arsenal inesgotável, já não bastava para sustentar o fervor da reconstrução. As tão apregoadas promessas de diversificação erguiam-se apenas como trincheiras mal delineadas no campo económico. Nas cidades, erguia-se alguma modernidade - edifícios, vias, centros de consumo -, mas para a vasta maioria a abundância permanecia miragem.

Socialmente, o fosso entre ricos e pobres alargava-se como fenda tectónica: uns poucos acumulavam fortunas vertiginosas, enquanto a multidão permanecia nos umbrais da penúria. Angola resistia, sim; mas avançar, não avançava.

FASE IV | (2015-2019)

O colapso da confiança e a marcha no deserto

Quem assenta todo o império num só recurso levanta muralhas sobre areia movediça.

Máxima de prudência económica

O colapso dos preços do petróleo, em 2014, foi sismo devastador que abalou os alicerces da economia angolana. O Produto Interno Bruto per capita resvalou dos 57.674 de 2015 para 47.813 em 2019, arrastando a nação a uma recessão prolongada - marcha penosa através de desertos económicos.

No corpo social, o desemprego e a pobreza proliferavam como ervas daninhas em terreno inculto. No plano político, a sucessão de José Eduardo dos Santos abria ensejo a promessas de renovação e reforma, mas o capital estrangeiro retraía-se, esquivo, como aliado desconfiado.

Era a fase em que a pátria, outrora pujante, contemplava estaleiros abandonados e gruas imóveis, símbolos de um esplendor desfeito. Os sonhos, outrora erguidos como muralhas altivas, ruíam agora como bastiões sem fundação, deixando o povo entregue à incerteza.

FASE V | (2020-2022)

Pandemia e a disciplina amarga da sobrevivência

Na guerra, sobreviver é já uma vitória.

Ditame militar clássico

O ano de 2020 trouxe consigo um inimigo invisível, mas implacável: a pandemia da Covid-19. O Produto Interno Bruto per capita precipitou-se para 43.667, e em 2022 mantinha-se em 42.745 - um dos patamares mais baixos das últimas duas décadas.

A nação, acuada, redirecionou os seus parcos recursos para a sobrevivência: reforço da saúde, renegociação de dívidas, digitalização apressada de serviços públicos. Mas a sensação era a de guarnição entrincheirada sob fogo cerrado: não se avançava, apenas se resistia.

No corpo social, o impacto foi devastador. A pobreza recrudesceu, as desigualdades abriram- -se em abismos mais fundos, e a juventude fitava o futuro como horizonte enevoado, sem claridade que iluminasse o caminho. Angola resistia, mas a custo de feridas que ainda sangram.

Leia o artigo integral na edição 848 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Outubro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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