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Opinião

Angola para além do petróleo Ignorar a tecnologia nuclear é manter Angola refém do crude

CONVIDADO

Dizer que investir em tecnologia nuclear é difícil é desonesto. Difícil também é explorar petróleo em águas profundas. Difícil é manter uma rede de telecomunicações nacional. Difícil é não diversificar e continuar à mercê dos preços do crude.

Angola continua amarrada ao petróleo como se este fosse o único caminho possível. Reformas fiscais, investimentos em infraestrutura e discursos sobre diversificação têm sido recorrentes - mas, na prática, o petróleo ainda responde por mais de 90% das exportações e cerca de um terço do PIB (Banco Mundial, 2023). É uma dependência tóxica, que expõe o país a choques externos, engessa o orçamento e emperra a industrialização.

Neste dilema, a questão que se coloca é: até quando estaremos à mercê do preço do crude?

É hora de romper com essa dependência. E, para isso, precisamos de coragem para olhar para sectores estratégicos que nunca fizeram parte do debate público. Um deles, ignorado por preconceito ou desconhecimento, é a tecnologia nuclear. E não, não se trata apenas de energia - trata-se de soberania científica, modernização industrial e diversificação real da economia.

Por que a tecnologia nuclear?

Falar de tecnologia nuclear em Angola ainda provoca desconforto - e isso já diz muito sobre o atraso da discussão. Enquanto o mundo avança com aplicações civis dessa tecnologia, aqui ainda se confunde "nuclear" com "perigo". Uma leitura preguiçosa e perigosa.

Na prática, países que integraram a tecnologia nuclear aos seus planos de desenvolvimento colhem frutos concretos: ganhos de produtividade, estabilidade energética e posicionamento geopolítico. Angola continua à margem.

No sector energético, por exemplo, a energia nuclear oferece capacidade de base estável, previsível e limpa - exactamente o que falta a uma matriz assente em hídricas vulneráveis à seca e solares sem armazenamento. E esta já não é uma tese futurista: a Agência Internacional de Energia (IEA, 2022) confirma essa tendência. Como escrevi:

"Angola não pode sustentar a expansão do seu sistema eléctrico apenas com hidroeléctricas e solares intermitentes. Uma matriz energética moderna exige fontes de base que garantam estabilidade e previsibilidade, como a energia nuclear" (Almeida, 2025).

Além da energia, há ganhos concretos em saúde (com medicina nuclear para diagnóstico e tratamento do cancro e outras doenças), agricultura (conservação de alimentos, controlo de pragas, melhoria da fertilidade do solo) e ambiente (monitorização de aquíferos, poluentes, mudanças climáticas) (IAEA, 2023; FAO & IAEA, 2015). São soluções reais, com impacto imediato. E o mais grave: estão ao nosso alcance, mas continuam ignoradas.

Angola tem por onde começar

Falta é vontade política

Não partimos do zero. Em 2024, Angola firmou o Country Programme Framework com a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA, 2024), sinalizando interesse em cooperar no uso pacífico da tecnologia nuclear. Também criou a Autoridade Reguladora de Energia Atómica (AREA), passo fundamental no quadro institucional.

Mas o que falta é óbvio: uma estratégia nacional séria, estruturada e ambiciosa para o sector nuclear. Sem investimento em infraestruturas, formação técnica e articulação entre ministérios, seguiremos prisioneiros de relatórios, workshops e boas intenções. A tecnologia nuclear, hoje, é uma promessa paralisada.

O próprio Banco Mundial (2023) aponta que a diversificação exige sectores intensivos em conhecimento e inovação. A tecnologia nuclear é, por excelência, um desses sectores.

África já começou

E Angola está a ver passar o comboio

Olhemos para os vizinhos com coragem. O Egipto iniciou, com apoio russo, a construção da central nuclear de El Dabaa (IAEA, 2023). A África do Sul opera há décadas a central de Koeberg, com ganhos sólidos para a sua segurança energética e industrial (World Nuclear Association, 2024). A Argélia aposta em reactores de pesquisa para aplicações em saúde e agricultura (IAEA, 2022). E a Nigéria já estruturou uma autoridade reguladora e assinou acordos para reatores de potência (NAEC, 2022).

Esses países não esperaram consenso social absoluto. Apostaram, lideraram, formaram quadros e colheram resultados. Angola precisa fazer o mesmo.

O maior entrave? Não é técnico

É cultural e político

Dizer que investir em tecnologia nuclear é difícil é desonesto. Difícil também é explorar petróleo em águas profundas. Difícil é manter uma rede de telecomunicações nacional. Difícil é não diversificar e continuar à mercê dos preços do crude.

O verdadeiro obstáculo é outro: ignorância institucional e medo político. Não há debate público informado. Não há campanhas de literacia científica. E, pior: as universidades e os decisores políticos quase não se falam.

Um estudo de Meirinho et al. (2022) mostra que a percepção pública sobre energias alternativas em Angola é baixíssima. Isso só reforça a urgência de mudar a narrativa e abrir espaço ao debate informado.

Leia o artigo integral na edição 836 do Expansão, de Sexta-feira, dia 25 de Julho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

*Osvaldo Agostinho de Almeida, Físico nuclear e investigador

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