Mas afinal de contas qual a relevância da qualidade do relato financeiro e qual o papel dos auditores externos
A qualidade do relato financeiro é uma responsabilidade partilhada - começa na liderança das empresas, passa pela equipa financeira e pelo controlo interno, e é validada, com independência e rigor, pela auditoria externa.
A qualidade do relato financeiro é, cada vez mais, uma peça- -chave para a confiança no tecido empresarial e para o funcionamento eficiente dos mercados. Esta não é apenas uma exigência técnica ou regulatória - é, acima de tudo, um reflexo da cultura de integridade de uma organização. Como auditores, com responsabilidades em várias empresas de referência no mercado nacional, temos a oportunidade (e o dever) de acompanhar e avaliar de perto o grau de maturidade com que esta responsabilidade tem vindo a ser assumida.
É importante reconhecer que existem realidades distintas entre setores, nomeadamente entre os setores financeiro / petrolífero e, de forma geral, os restantes. Esta diferença está, em larga medida, relacionada com os diferentes níveis de maturidade institucional, exigência regulatória e grau de implementação de sistemas de controlo interno.
Ainda que se observem algumas melhorias, os relatórios de auditoria continuam a refletir um número significativo de reservas. Em alguns casos, essas reservas são recorrentes, o que evidencia uma certa resistência / inércia por parte da gestão em promover de forma proactiva e efectiva a resolução dos assuntos que estão na base das reservas. Este facto não pode ser ignorado. Um sistema de relato financeiro robusto exige compromisso, liderança e responsabilização.
Acreditamos que a construção de um modelo de governance baseado numa cultura de "tone at the top" é essencial. Quando os líderes de uma organização demonstram, pelo exemplo, que a qualidade da informação financeira é uma prioridade inegociável, essa cultura propaga-se por toda a estrutura. Para além disso, o investimento em sistemas de controlo interno eficazes e a aposta firme na formação contínua dos profissionais da área financeira é fundamental para reduzir erros e omissões na preparação das demonstrações financeiras.
Neste processo, o papel do auditor é muitas vezes mal compreendido. É frequente ouvirmos que o auditor é "o polícia da organização", um fiscalizador que está lá apenas para apontar erros. Este entendimento não só é redutor, como contraproducente. A auditoria deve ser encarada como uma função de interesse público, mas também como uma forma de apoiar as organizações a identificar riscos, melhorar processos e, desta forma, melhorar a qualidade do seu relato financeiro. Desta forma, uma atitude colaborativa por parte das empresas - com partilha de informação tempestiva e transparente - é essencial para alcançar resultados de qualidade.
Outro tema frequentemente debatido é a diferença entre auditoria financeira e auditoria forense. Enquanto a auditoria financeira tem como objetivo a emissão de uma opinião sobre as demonstrações financeiras, de acordo com as normas aplicáveis, a auditoria forense foca-se na investigação de fraudes, crimes financeiros ou irregularidades específicas. Os objetivos são distintos, e essa distinção deve ser claramente compreendida por todos os stakeholders.
Finalmente, importa clarificar uma perceção comum: quando uma fraude não é detetada no âmbito de uma auditoria financeira, isso não significa necessariamente que houve erro por parte do auditor. Cabe à administração da empresa implementar sistemas de controlo interno que reduzam o risco de fraude. O auditor, por sua vez, tem a responsabilidade de avaliar os riscos existentes e desenhar procedimentos de auditoria adequados que dêem resposta aos riscos identificados. Reforçar que o objetivo da auditoria financeira não é detetar fraude e sim concluir se as demonstrações financeiras, no seu conjunto, estão ou não isentas de distorções materiais por erro ou fraude.
Sobre esta temática, importa referir que temos vindo a reforçar as nossas metodologias com abordagens baseadas em risco e tecnologia. Ferramentas de análise de dados permitem- -nos, hoje, analisar grandes volumes de transações e identificar padrões anómalos com maior eficácia. É mais um exemplo de como a auditoria está a evoluir, adaptando-se aos novos desafios e às crescentes exigências do mercado.
Em suma, a qualidade do relato financeiro é uma responsabilidade partilhada - começa na liderança das empresas, passa pela equipa financeira e pelo controlo interno, e é validada, com independência e rigor, pela auditoria externa. É fundamental que cada um compreenda o seu papel e que se promova uma cultura de responsabilidade e melhoria contínua. Só assim estaremos a construir empresas mais transparentes, sustentáveis e resilientes.
*Pedro Letra, Partner EY Angola