"Nunca me senti tão importante como na Etiópia, pelo barulho das motos"
A paixão pelas motos narrada em 384 páginas do livro "Uma vida sobre rodas". Ao Expansão, o autor conta suas maiores aventuras e os seus próximos desafios. Tem no seu registo memórias de 66 países por onde passou nos últimos 15 anos. O seu limite é conhecer o mundo.
Publicou na terça-feira o livro "Uma vida sobre rodas". O que traz neste livro?
Primeiro deixa-me começar por dizer que não sou escritor. Eu sou um viajante, principalmente em motos, e ao longo destes anos todos de fascínio pelas motos e pelas viagens, o pessoal começou-me a perguntar: porque não escreves um livro? Porque é que não contas as suas histórias? Na realidade, já tenho 66 países atravessados de moto. É óbvio que, ao longo destes anos todos, destes países todos, destes quilómetros todos, há muitas histórias que estão dentro de mim e que só quem as vive conhece. Em primeiro lugar, escrevo este livro para os meus filhos e para a minha mulher. Para os meus filhos para perceberem porque é que o pai andou tanto tempo ausente da companhia deles em muitas alturas da vida. Para a minha mulher, como forma também de agradecimento por me aturar longe durante estes tempos todos e muitas vezes pelo stress que lhe dava durante estas viagens. E depois para todas as outras pessoas saberem e viverem um bocado as experiências que vivi. Foi essa a razão do livro. A pedido de muita gente.
Lembra-se da primeira viagem internacional que fez?
Lembro. Tenho aqui duas vertentes. Nasci cá, mas saí em 1977, para Portugal. E a primeira viagem que fiz para fora de Portugal foi à França. Foi uma maravilha. Mas essa foi na Europa, não considero bem uma viagem internacional. Para mim, a viagem internacional que fiz foi em 2010, aqui, que nós não tínhamos motos. Eu não tinha moto em Luanda na altura para fazer esse tipo de viagem. Então, com um grupo de amigos fomos à Namíbia, comprámos seis motos e fizemos Namíbia, África do Sul, Suazilândia, na altura, agora é a Essuatíni, Maputo (Moçambique), depois voltámos a entrar em Essuatíni, África do Sul, Botsuana, Namíbia e Angola. Na altura chamámos àquela viagem os Big Six, como há aqui os Big Five em África, nós éramos os Big Six, pois éramos seis motos e com passagem por seis países africanos.
Como surge o projecto "Volta ao Mundo"?
Quando cheguei ao fim da viagem dos seis países, disse, isto é mesmo bom, vou continuar. E aí nasce o projecto da Volta ao Mundo. Fizemos a segunda viagem internacional em 2011, no dia 11 do mês 11 [Novembro], às 11h11. Saímos daqui do nosso governo provincial até Portugal, ao Porto, sendo Luanda e o Porto cidades minadas, para fazer a ligação e demos o nome Eleven. Foi uma maneira que tivemos de celebrar a nossa independência. Foi voltar a juntar os dois países, o antigo país colonizador, Portugal, e Angola, um país agora independente. Portanto, foi muito giro. A partir daí nunca mais parámos.
O que o motivou a fazer essas viagens?
O prazer de andar de moto. No livro digo isso. É uma das coisas que muitas vezes perguntam e não consigo transmitir isto em palavras. A verdade é que tenho mais de 600 mil quilómetros de moto. Tenho mais quilómetros de moto do que muita gente tem de carro. Mas a liberdade, talvez a liberdade que sinto em cima da moto. Há uma frase que elucida muito a questão do viajar de moto. Ao viajar de carro, nós apreciamos a natureza. Ao viajar de moto, nós vivemos a natureza. E as experiências que há em levar a bandeira de Angola, para mim particularmente, a sítios míticos, como foi o Salar de Uyuni, o maior salar do mundo, na Bolívia.
É uma sessão única?
Sim. Existe uma zona no Salar de Uyuni onde estão as bandeiras de uma série de países. Quem pôs a bandeira de Angola lá fui eu. E este orgulho de levar a bandeira de Angola a estes países, levar a bandeira de Angola a Ushuaia, a terra do fim do mundo, na Argentina, levar a bandeira de Angola a Vladivostok, à ponta da Rússia, para mim é algo que me orgulha bastante.
Qual é o seu objectivo
É como digo, são 66 países atravessados, ainda nem 50% do mundo tenho, mas já são muitos. E esse é o objectivo que criei em 2010, neste projecto Volta ao Mundo, e foi precisamente isso, conseguir atravessar o máximo de países possível, se pudesse passar por todos, era o meu sonho. Não sei se vai ser possível ou não, mas estou a tentar.
Também está ligado à competição?
Sim. Ainda sou o único angolano que começou e acabou um Dakar. Temos felizmente mais angolanos que já participaram, fui, infelizmente o único que conseguiu acabar, gostava que os outros todos também conseguissem. Temos agora uma dupla que vai este ano, espero que eles acabem, mas para já sou o único. Resumindo, também andei muito envolvido na competição de 4 rodas.
Há alguém que o inspire?
Há um senhor que foi considerado o pai do todo terreno em Portugal, que era o Zé Megre. Ele escreveu um livro com o título "Como eu vi todos os países do mundo (menos um)". Esse livro, li-o no final de 2010 e tem duas particularidades que o ligam muito a mim. Uma é a paixão pelos desportos motorizados, quatro rodas, como eu. Mas a outra, ele começou o projecto dele aqui em Angola.
As viagens são por conta própria ou há entidades por trás dessa paixão?
Não. A única entidade que há por trás é a nossa carteira. Não digo infelizmente, porque felizmente consigo fazer isso e tenho de me dar como feliz por conseguir fazê-lo, porque sei que há muitos motards aqui em Angola que gostavam de poder fazer o mesmo e, por questões financeiras, não conseguem. Nós fazemos uma coisa que é, primeiro, tentar fazer viagens de modo mais económico. Portanto, temos algumas empresas que nos apoiam de maneira diferente, não financeira. Por exemplo, um dos grandes apoios que nós temos é a Zepa, agência de viagens, que pertence ao Grupo Abreu, em Portugal. Tivemos na altura a Proteker, por exemplo, que nos patrocinou com um carro de apoio. A TTT Turismo, que na altura existia, o mesmo, com outro carro de apoio. Temos o apoio, por exemplo, da BMW Motorrad, em Portugal, porque nós aqui não temos, infelizmente, a BMW. Já tivemos, na altura, eles também nos davam apoio. Mas é apoio nesse sentido, como também desconto no material. Agora, alguém a pagar, zero.
Leia o artigo integral na edição 847 do Expansão, de Sexta-feira, dia 10 de Outubro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)