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Opinião

Afinal o que os chineses querem de África?

Alves da Rocha

O ponto de interrogação da pergunta-título desta crónica pretende simbolizar ironia, pois a presença chinesa em África pode ser tudo, menos amiga.
O que é que os chineses pretendem de África? Será que é genuína e estruturalmente diferente das ganâncias do Reino Unido, de França, da Alemanha, dos Estados Unidos, da Bélgica? No contexto do politicamente correcto, chineses e africanos defendem a originalidade da cooperação China-África. No polo oposto, o do politicamente incorrecto, dir-se-ia que os objectivos da China no continente africano são exactamente os mesmos das potências ocidentais, ainda que travestidos de outras roupagens.
Vejamos. Os chineses estão em todos os países africanos, nuns a sua presença é dominante e noutros menos acentuada. Os seus objectivos são: apoderamento (para já económico, mais tarde, quem sabe, também político-estratégico) das fontes de matérias-primas e produtos de base, criação/domínio de um mercado africano para os seus produtos industriais e eventualmente a sua tecnologia e cultura e constituição de uma aliança estratégica global favorável ao domínio da China no mundo (em 2050, China, Índia e África poderão albergar mais de 65% da população mundial). Factos:
a) Cerca de 1/3 das importações de petróleo da China tem origem africana.
b) Elevados investimentos na prospecção e exploração de ferro na Libéria, de cobre na RDC e na Zâmbia e de cobalto na RDC.
c) Construção do porto de Mombaça, no Quénia, visando a exportação de petróleo deste país, cujas reservas começam a mostrar-se economicamente rentáveis.
d) Construção, ainda no Quénia, pela Corporação de Estradas e Pontes da China, de um projecto ferroviário, no valor de USD 14 mil milhões, para ligar Mombaça à capital, Nairobi.
e) Projectos ferroviários de ligação de Nairobi ao Sudão do Sul, Uganda e Ruanda, pretendendo o Quénia, com esta ajuda chinesa, tornar-se o centro do poder económico no litoral Leste de África.
f) A Tanzânia pretende rivalizar com o Quénia no domínio económico da África Oriental e para isso conta com o apoio dos amigos chineses, tendo fechado negócios de milhares de milhões de dólares na construção de infraestruturas, com destaque para a remodelação e alargamento do porto de Bagamoyo (20 milhões de contentores de carga por ano), atendendo ao congestionamento de Dar-es-Salaam. Ainda assim e a despeito da excelente rede de estradas internacionais que possui - permitindo a ligação com praticamente todos os países da SADC - a Tanzânia, de acordo com determinadas análises, está destinada a ser potência de segunda ordem na costa Leste do continente, depois do Quénia.
g) A presença da China também se estende ao Níger, com a Corporação Nacional de Petróleo, a investir na pequena jazida de petróleo nos campos de Ténéré.
h) A África do Sul é o maior parceiro comercial da China em África. Centenas de empresas chinesas, estatais e privadas, operam em Durban, Joanesburgo, Pretória, Cidade do Cabo e Porto Elizabeth.
i) A China é o maior parceiro comercial do Sudão, valendo-lhe em alguns areópagos internacionais (Nações Unidas, por exemplo), o constante e total apoio deste país.
Em Angola, são os seguintes os factos que atestam a presença da China no país:
a) O montante do investimento chinês em Angola (sem linhas de crédito) na última década excedeu 8 mil milhões de dólares e continua a aumentar todos os anos.
b) A Corporação de Engenharia Ferroviária da China (CREC) já aplicou dois mil milhões de dólares na modernização da linha ferroviária de Benguela, no centro do país, que liga esta cidade à RDC, através do porto do Lobito, na costa atlântica (1300 quilómetros de distância).
c) Em Luanda, a CREC está a construir o novo aeroporto internacional (3 mil milhões USD) e foi a responsável pela construção das mais importantes centralidades da capital, num investimento avaliado em mais de 5 mil milhões USD (aparentemente, financiados através da linha de crédito China-Angola).
d) De acordo com determinadas estimativas, encontram-se em Angola entre 150.000 e 200.000 trabalhadores chineses, dos quais alguns milhares são militares treinados e que poderão transformar-se numa milícia pronta a entrar em acção, se a China assim o entender.
e) O grupo privado chinês Jiangzhou Agriculture vai investir 12 milhões USD na construção de uma unidade agrícola no Huambo, que empregará 200 trabalhadores e vai levar 10 anos a ser implementado.
f) O Governo angolano e a empresa chinesa CIF estão em negociações para o arranque do projecto de exploração de ferro e construção de uma siderúrgica, na província do Cuanza Norte, com potencial para a produção de 276 toneladas anuais desse metal.
g) Não se conhece, de modo formal e concreto, qual o montante da dívida de Angola à China. As condições actualmente em vigor são: a garantia de petróleo dependente do comportamento do preço do petróleo. Nas actuais condições, com o preço do petróleo em níveis bem mais baixos do que quando as dívidas foram contraídas, esta garantia é tremendamente desfavorável a Angola (o petróleo destinado à China para ressarcimento da dívida é garantido pela Sonangol. A outra modalidade de garantia é pela via dos seguros, que faz com que o risco associado à falta de pagamento seja transferidos para a seguradora, que no caso é a Sino Seguro.
O envolvimento da China em África é apreciado pelos políticos africanos, pois os agentes chineses, privados e públicos, não fazem perguntas difíceis sobre os direitos humanos, não reclamam por reformas económicas, sociais e políticas e nem sequer sugerem a existência e padrões elevados de corrupção. Segundo o seu posicionamento, são assuntos internos dos países africanos e a China respeita as suas opções e padrões de gestão pública. Sacodem para debaixo do tapete as crescentes tensões sociais entre as populações locais e os trabalhadores chineses (frequentemente, mão-de-obra de substituição da nacional), talvez com o propósito estratégico de, havendo agudização, as autoridades chinesas poderem intervir na política africana, obrigando as autoridades chineses a manter alguma presença militar em vários países.
Em síntese, o que os nossos amigos chineses querem de África é o petróleo, os minerais, os metais preciosos e os mercados.

(1) As eventuais pretensões de Portugal em Angola e em Moçambique não têm força económica - Portugal é uma economia da periferia europeia e se não fossem a má gestão económica em Angola, as transferências de fundos públicos para uma reduzida elite nacional e os elevados padrões e índices de corrupção, o PIB angolano em menos de 10 anos suplantaria o da antiga metrópole colonial - nem margem política de afirmação, sendo disso prova, no caso angolano, as atrapalhações e as trapalhadas que a classe política portuguesa comete sempre que as autoridades angolanas se queixam de algo, com ou sem razão. Às fortuitas pretensões portuguesas em África faltam poderio económico, reconhecimento e aceitabilidade política e capacidade de inovação científica e tecnológica. A África do Sul tem todos estes atributos, sendo por isso que o seu domínio na África subsariana é evidente.
(2) Para quem quiser aprofundar os contornos da presença chinesa em África (e também em Angola) consultar Dambisa Moyo - Winner Take All, 2012.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente neste espaço