Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Grande Entrevista

"Na nossa economia, que é dependente do petróleo, o grande detentor de capitais ainda é o Estado"

WALTER PACHECO, PCE DA BOLSA DE DÍVIDA E VALORES DE ANGOLA (BODIVA)

O CEO da Bolsa de Dívida e Valores de Angola aponta que a economia nacional ainda é muito dependente da despesa pública, tanto é que quando há um "stress" na execução da despesa, há redução significativa da actividade económica. Walter Pacheco realça também que o mercado de acções vale menos de 2% das negociações da Bodiva e o mercado de capitais representa, em média, 3% do PIB.

A Acrep vai ser a terceira empresa a estrear-se no mercado de acções. Mas até ao momento, só o Estado tem conseguido dispersar as suas participações em bolsa. Como olha para este cenário?

Olho com muito optimismo. Durante algum tempo, o surgimento do mercado de capitais foi sempre uma ilusão. Em 2022 demos os dois passos concretos para cimentar esse processo e, agora, vemos uma empresa que não está no sector financeiro a seguir o caminho da entrada em mercado. E isso tem criado interesse de várias empresas, não só públicas, mas também algumas privadas que pretendem abrir o seu capital em bolsa. A abertura do capital em bolsa já começa a ser entendido como um objectivo estratégico das empresas, não só no sentido de captar financiamento, mas também no sentido de permitir que se expandam os horizontes de negócios.

Entretanto, como está o processo da entrada em bolsa da Acrep, depois de ter prorrogado o prazo da oferta pública em bolsa?

Temos de olhar para esse processo dentro do enquadramento do mercado actual. O nosso mercado era liderado pelos bancos, e passou a ser dominado pelas sociedades corretoras e distribuidoras. E isso exige uma nova forma de operacionalizar os processos, de organização e de interacção, e leva sempre a determinadas concentrações. Pela informação que fomos recebendo, foi feita essa solicitação de prorrogação. É importante esclarecer que é um processo normal e é muito comum acontecer processos de realocação.

Mas o que é facto é que só vemos empresas com participações do Estado a abrirem o seu capital em bolsa. Para este ano, está prevista a privatização das partições também do Estado na ENSA, no Standard Bank Angola e na TV Cabo, através de Oferta Pública Inicial (OPI).

É normal. Nós temos de entender como um processo natural para a diversificação da económica, porque a nossa economia ainda é muito dependente da despesa pública. Tanto que sempre que temos algum desafio na execução da despesa pública nós temos uma redução significativa da actividade económica. Temos, por exemplo, a falta de oferta de divisas. Portanto, pela estrutura da nossa economia, que é dependente do petróleo, o grande motor, o grande detentor de capitais ainda é o Estado. E estamos a falar do mercado de capitais, um sítio onde se compra e vende capital. Se o grande detentor de capital é o Estado, é normal que um grande vendedor de capital seja, durante ainda os próximos tempos, o Estado.

Este é o motivo de ser só o Estado a abrir capital em bolsa?

Dentro do programa de privatizações podia não se ter colocado a bolsa como um mecanismo de venda. Mas o Estado angolano optou por colocar em bolsa por ser, por um lado transparente, e o programa de privatizações tem seguido a linha da transparência, e por outro lado o Estado identificou o mercado de capitais como um mecanismo estratégico de a economia fazer o capital circular. Portanto, o Estado passa a ser o grande fomentador, não a criar despesa, mas pelo facto de ser o primeiro player a ir ao mercado buscar recursos.

Mas o que falta, de facto, para termos privados sem qualquer ligação com o Estado a abrirem capital em Bolsa?

É uma decisão que depende das empresas. Quando diz o que falta, nós podemos elencar uma série de factores. Há quem diga que falta literacia financeira e outros apontam a falta de incentivos. Mas de facto, a decisão de entrada em bolsa, é uma decisão estratégica. O gestor e o líder da instituição têm de colocar isso do ponto de vista estratégico.

De que forma?

Por exemplo, a BODIVA é uma empresa pública, e nós vamos começar também o processo de entrada no mercado e vamos vender parte do nosso capital, que foi uma decisão tomada a nível da comissão executiva. Primeiro porque nós achamos que estamos no momento de partilhar com a sociedade o que temos feito e a criação de valor que temos criado, e achamos que os angolanos deviam ser donos dessa criação de valor. Segundo, porque nós queremos dar algum retorno ao nosso investidor, que é o Estado. E terceiro, porque queremos criar uma plataforma que vai permitir que a empresa se financie de forma mais fácil para outras etapas de crescimento. Todas essas questões que foram apresentadas foram aprovadas pelo accionista. Foi uma estratégia tomada pela BODIVA. Eu não consigo dizer de facto quais são os recursos que as empresas têm, mas existem grandes empresas em Angola com bons recursos que podem seguir o processo se quiserem seguir como uma decisão estratégica.

Mas do ponto de vista dos requisitos, desde o compliance até à apresentação das contas. Essas empresas estão preparadas para abrir o capital em bolsa?

Em Angola, temos cerca de 300 empresas que são consideradas grandes empresas, e elas devem, por obrigação legal, pelo menos, anualmente ter as contas auditadas e isso obriga-as a apresentar relatórios de gestão e um conjunto de elementos para uma organização interna que dirime todas essas preocupações que nós temos. Ou seja, existem 300 empresas em Angola que estão teoricamente preparadas para entrar em bolsa. Portanto, todo o processo de financiamento, por via do mercado de capitais, depende de uma decisão estratégica dos gestores e da liderança da empresa.

Há quem defenda que não existe mercado de acções em Angola...

É legítimo. Essas pessoas que defendem que não existe mercado de acções, defendem que existe pouca liquidez ou pouco volume transaccionado neste mercado, e não deixa de ser verdade, porque se nós analisarmos o volume do mercado de acções comparando com o volume da dívida pública é, efectivamente, bastante inferior.

Tem de haver maior dinamismo, neste sentido.

Mas para haver dinamismo neste segmento tem de haver mais emissões, mais compradores, mais vendedores e estamos a criar esse ecossistema. Normalmente essas pessoas defendem que não atingimos o ideal, mas não olham que há três anos não tínhamos nada. Nós sabemos que não atingimos o ideal, mas sabemos de onde viemos e onde é que nós queremos chegar...

Leia o artigo integral na edição 767 do Expansão, de sexta-feira, dia 15 de Março de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)