Trabalhadores angolanos ficam com menos de 20% da riqueza criada no País
A redução do poder dos salários é negativo para a economia do País, uma vez que reduz o dinheiro disponível para o consumo no mercado interno. E quanto maior for o consumo interno, maior é o incentivo para as empresas investirem os lucros no crescimento da produção, nascerem novos negócios e gerarem mais emprego. Hoje as empresas "empurram" os lucros para os accionistas ou para investimentos em dívida pública.
Os trabalhadores ficaram apenas com 19,46% da riqueza criada em Angola em 2024, tratando-se do segundo pior registo desde 2002. Este indicador sugere a perda de poder de compra e aumento da desigualdade num país que convive "paredes meias" com a alta inflação, desemprego e informalidade, mas também com a riqueza gerada pelo petróleo que fica nas grandes multinacionais.
Estes dados constam no relatório das Contas Nacionais Anuais publicados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). O PIB pode ser analisado consoantes três ópticas: a da produção, que é o somatório dos valores acrescentados brutos de todos os sectores da economia; a do rendimento, somando todas as remunerações obtidas pelos agentes económicos, desde os salários aos lucros e aos juros; e a das despesas, que é o resultado do somatório do consumo das famílias, dos gastos públicos, dos investimentos e das exportações, deduzindo as importações.
Nos últimos 10 anos, o PIB nacional apresentou um crescimento médio de apenas 0,6%, muito abaixo do crescimento médio anual da população que ronda os 3,1%. Como a economia não conseguiu criar os postos de trabalho formais necessários para acompanhar o crescimento da população, a porta de saída da maior parte das famílias angolanas acabou por ser a informalidade (80% dos empregos são informais). A alta inflação e o ambiente de negócios inibem o investimento pelo que o desemprego também é elevado. Assim, cumprindo a lógica de mercado, em que há mais procura do que oferta de empregos, impera uma política de baixos salários que impedem não só a saída da pobreza para a maioria da população, mas também uma fraca poupança.
É, em parte, por isso que na óptica do rendimento, a remuneração dos trabalhadores sobre o PIB tem vindo a cair, atingindo no ano passado, o segundo pior registo deste século.
E se a riqueza gerada no país chega pouco aos trabalhadores, então significa que está a ficar retida no capital, ou seja, nas empresas. O Excedente Operacional Bruto/PIB (inclui lucros, rendas e juros) passou de 71,30% em 2015 para 77,82%, o que significa, de acordo com uma análise do ex-vice governador do BNA, Pedro Castro e Silva, "maior apropriação do valor acrescentado pelo capital, indicando concentração de renda e lucros, especialmente em períodos de baixo crescimento do emprego e dos salários".
Ou seja, em períodos de instabilidade macroeconómica - que na prática tem sido o dia-a-dia do País nos últimos anos - o capital tem estado a ser significativamente remunerado, ao mesmo tempo que o poder de compra dos salários tem estado a cair.
Só para se ter uma ideia, por exemplo em Portugal o peso da remuneração dos trabalhadores no PIB ronda os 47,2%, enquanto no Brasil anda à volta dos 30% e na África do Sul 50%. Também há que ter em conta que em Angola, cerca de um terço do PIB resulta da indústria petrolífera, que é de capital intensivo, logo retém mais valor. Aliás, esta é uma tendência que acontece também noutros países produtores de petróleo. Basta olhar para os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em que a média dos países árabes, apesar de ser superior à de Angola, é muito inferior às restantes regiões do globo (ver gráfico), especialmente em economias mais desenvolvidas e diversificadas.
Leia o artigo integral na edição 836 do Expansão, de Sexta-feira, dia 25 de Julho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)