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Opinião

Angola: O rasto silencioso da taxa de juro (2002–2024)

CONVIDADO

Angola necessita de algo maior que equilíbrio: exige estratégia de emancipação. Precisa de lideranças que compreendam o juro como instrumento de equidade e não apenas como bastião da estabilidade. Pois cada taxa é uma escolha ética, cada ponto percentual, uma opção civilizacional.

Nas profundezas palpitantes do engenho económico angolano, onde cada centésima de ponto percentual repercute como o tamborim ritual de uma operação clandestina, a taxa de juro emerge não como mero indicador, mas como sentinela da estabilidade, como sibila dos mercados e como centurião da soberania monetária. À semelhança do que ocorre na inteligência militar - onde o silêncio é estratégia e a sombra, tática -, também na esfera jurotécnica se trava uma guerra subtil, de mapas invisíveis e decisões cifradas. Este ensaio, pois, não é simples compilação de números: é uma cartografia das resistências macroeconómicas, uma hermenêutica dos bastidores do Estado, uma liturgia secular do poder financeiro diante das volubilidades modernas.

I. Do crédito em kwanzas:

A travessia da credibilidade

No universo bélico das finanças, o juro aplicado ao crédito é senha de entrada na cidadela da confiança. Entre 2002 e 2005, Angola assiste à vertiginosa queda de 99,7% para 43,2% - uma manobra digna de retirada estratégica, não fruto de tecnocracia hesitante, mas coreografia milimétrica de resgate soberano. O Banco Nacional de Angola (BNA), nesse período, assume papel de arquitecto-mor da reconstrução, reposicionando-se no tabuleiro financeiro como um general reformador, intentado a restaurar a fé no kwanza e desminar o terreno minado das expectativas inflacionárias.

"As batalhas contra si mesmo são as mais difíceis, mas as únicas verdadeiramente vitoriosas."

Napoleão Bonaparte

O triénio seguinte (2006- -2008), com a taxa a descer para 12%, revela um tempo de doutrina, de enraizamento de uma fé monetária. A estabilidade converte-se em dogma, e a taxa de juro transfigura-se em ferramenta de exegese macroeconómica, guiada por ortodoxia. O BNA transfigura-se em teólogo da moeda, doutrinando a economia com cânones de prudência fiscal e monetária.

De 2009 a 2014, a hesitação entre 19% e 15,1% reflete a transição para uma guerra de atrito. A inflação - esse inimigo incorpóreo - opera nas trincheiras das expectativas, das importações, dos fantasmas da dependência petrolífera. A política monetária transforma-se num tabuleiro de sacrifícios: restringir para preservar, conter para sobreviver.

"Em tempo de paz, prepara-te para a guerra."

Vegetius, Epitoma Rei Militaris

Entre 2015 e 2018, a taxa oscila entre 15,4% e 19,8%, consolidando-se como muralha. Cada ponto percentual é agora uma catapulta, uma barricada contra o caos. Em 2020, o disparo aos 19,7% assinala sirene de alerta; a economia entra em quarentena monetária. O crédito, dantes instrumento de promoção, transforma-se em privilégio escasso. A escassez torna-se doutrina, e o juro, rito de contenção.

Em 2024, os 18,1% reiteram o discurso de firmeza prolongada. A estabilidade já não é mais paz: é guerra contínua, travada em silêncio, com munições invisíveis e armamento de números. A soberania não se proclama com bandeiras: edifica-se, linha a linha, juro a juro.

II. A poupança em kwanzas:

A esperança remunerada

Na anatomia económica de uma Nação, a poupança figura como gesto patriótico de resistência. Entre 2002 e 2005, a retração das taxas de 59,7% para 28,2% simboliza a tentativa de reequilibrar o contrato fiduciário entre Estado e cidadão. Em 2006, a queda para 7,8% retrata o suspender da crença, o interregno da espera confiante.

A escalada até 12,6% em 2009 reativa o alarme monetário. As reservas domésticas são chamadas ao serviço, como exército de retaguarda. Já entre 2010 e 2015, com um juro a 3,9%, consagra-se o tempo da abnegação silenciosa. Poupar, aqui, é acto de fé, não de cálculo. O aforrador assume o papel de militante do bem comum, e não de especulador oportuno.

"A confiança é adquirida gota a gota e perdida em jorros."

Jean-Paul Sartre

De 2016 a 2018, com o regresso aos 7,1%, inicia-se a luta contra a evasão cambial. O Estado ergue bastiões simbólicos em torno da moeda nacional. De 2019 a 2021, o combate à dolarização é sutil, feito de narrativas, símbolos e incentivos. Em 2024, os 9,6% são mais que remuneração: são proclamação de que o kwanza ainda tem dono e ainda inspira fidelidade.

III. Do depósito cambial:

O refúgio do temor

Entre 2006 e 2011, as taxas variam entre 2,9% e 7,2%. Números que desvelam o mapa emocional da Nação: o pico de 7,2% em 2010 não é um número - é um grito. A moeda nacional perde campo, e o dólar assume a aura de tábua de salvação.

De 2012 a 2018, a taxa de 2,2% é tentativa de normalização, operação de reencantamento. O BNA assume a função de terapeuta da incerteza, esforçando-se por desenhar horizontes mais racionais.

"A maior vitória é aquela que não exige combate."

Sun Tzu

Leia o artigo integral na edição 838 do Expansão, de Sexta-feira, dia 09 de Agosto de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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