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Opinião

Beleza natural não basta!

MILAGRE OU MIRAGEM?

É necessário criar actividades, experiências e serviços complementares que transformem esses locais em destinos turísticos sustentáveis. Ver "a água do rio a encontrar no mar" não é, por si só, uma experiência que motive deslocações, sobretudo quando algo semelhante pode ser visto em qualquer parte do mundo.

No nosso último artigo sobre o turismo em Angola alertámos que ter potencial, por si só, não iria transformar o país num destino turístico de referência. Os dados mais recentes confirmam que o caminho ainda é longo. De facto, o Anuário do Turismo de 2022- -2023, publicado pelo INE em Setembro, mostra que o número de turistas aumentou de 127 353 no biénio 2020-2021 para 263 553 em 2022-2023. Apesar da evolução positiva, estes números continuam muito abaixo das 650 mil entradas registadas em 2013.

Num contexto em que o kwanza se encontra desvalorizado face às principais moedas internacionais, Angola deveria ser um destino mais atractivo do ponto de vista financeiro.

Contudo, a realidade mostra o contrário. Nos últimos dias, a imprensa tem destacado o interesse do Executivo em diversificar a economia através do turismo, um sector que, quando bem explorado, gera receitas rápidas em divisas. Porém, as limitações infraestruturais continuam a ser um obstáculo. Durante a última Cimeira Empresarial EUA - África, realizada em Luanda, vários delegados relataram dificuldades em efectuar pagamentos com cartões de crédito internacionais, revelando fragilidades básicas num sector que depende fortemente da acessibilidade financeira e tecnológica.

Dados do World Travel & Tourism Council ajudam a perceber o potencial deste sector. Em Portugal, o turismo representa cerca de 20% do PIB, equivalendo a 62,7 mil milhões de euros. Em França, um dos países mais visitados do mundo, a contribuição é de 266,2 mil milhões de euros, ou 9,1% do PIB. Mais próximo de nós, Cabo Verde depende fortemente do turismo, que representa mais de 20% do PIB e gerou entre 1,5 e 2 mil milhões de euros em 2023.

Já na Gâmbia, o sector contribuiu com 1,4 mil milhões de dólares no mesmo ano. Perante estes números, compreende-se o desejo do Executivo apostar no turismo como motor de diversificação económica.

A isenção de vistos para cidadãos de 98 países, em vigor desde 2023, é uma medida importante, mas o seu impacto ainda carece de avaliação. Como temos defendido, a ausência de turistas não se explica apenas pela burocracia. É urgente melhorar os acessos aos pontos turísticos, investir em infraestruturas hoteleiras modernas e funcionais e garantir segurança, tanto real como percebida, nos principais destinos.

Sem isso, o país continuará a perder competitividade, como aliás acontece hoje. Tudo isto remete-nos à experiência vivida na Gâmbia. Durante a nossa visita à Gâmbia, observámos desafios semelhantes aos de Angola, especialmente ao nível das infraestruturas. A diferença é que, reconhecendo essas fragilidades, o governo gambiano criou polos turísticos voltados para o turismo de praia, como Kotu e Senegâmbia. Nestes clusters, investidores nacionais e estrangeiros construíram hotéis e resorts com fornecimento regular de água, electricidade, saneamento e policiamento. O acesso a estes espaços era monitorizado pela polícia local, garantindo segurança e conforto aos visitantes.

Além disso, notámos um atendimento cordial por parte das autoridades, o que contribui para uma experiência positiva do turista. Por exemplo, na nossa deslocação pelo interior da Gâmbia notamos, tal como ainda acontece em Angola, a existência de postos policiais na via. Porém, lá a polícia não importunava os turistas nas viaturas, pelo contrário, perguntava sempre se tudo estava bem, se estávamos a gostar da estadia e se não tínhamos reclamações.

Quando saíssemos optávamos por deixar os passaportes no hotel e apenas levávamos a identificação do mesmo. Fizemos isso e durante a nossa estadia nunca nos foi exigida a nossa identificação. O custo de vida, sobretudo o preço dos frutos do mar nos restaurantes, também se revelou acessível, reforçando a atractividade do destino. Em Angola, apesar da depreciação do kwanza, os preços praticados por muitas unidades hoteleiras continuam elevados, tornando o país menos competitivo.

Um exemplo concreto vem de Benguela, onde é comum que os hotéis aumentem quase para o dobro as tarifas em fins de semana prolongados, uma prática que desincentiva o turismo interno e mina a fidelização de visitantes. Angola possui locais de grande potencial turístico, como a Fenda da Tundavala, na Huíla, ou a foz do rio Chiloango, em Cabinda.

Contudo, potencial não é sinónimo de atractividade. É necessário criar actividades, experiências e serviços complementares que transformem esses locais em destinos turísticos sustentáveis. Ver "a água do rio a encontrar no mar" não é, por si só, uma experiência que motive deslocações, sobretudo quando algo semelhante pode ser visto em qualquer parte do mundo. Angola tem, no turismo, uma oportunidade real de gerar divisas e empregos de forma rápida.

No entanto, isso só acontecerá quando a governação compreender que é preciso transformar o potencial em produto turístico, com acessos, infraestrutura, segurança, preços competitivos e experiências memoráveis. Só assim Angola deixará de ser um destino de potencial e passará a ser um destino de escolha.

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