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Opinião

Desigualdade na apropriação da renda em Angola

MILAGRE OU MIRAGEM?

Diante deste quadro, vale colocar a seguinte questão: por que razão o Estado não intervém para promover uma distribuição mais equitativa da renda nacional? As evidências históricas mostram que a formação de uma classe capitalista em Angola foi largamente mediada pelo Estado, que permanece ainda como o maior consumidor de bens e serviços e, portanto, com elevado poder de negociação no mercado. Mesmo assim, os últimos 10 anos revelam um aumento da desigualdade na apropriação da renda nacional a favor do capital, sem qualquer sinal de intervenção estatal para inverter esta tendência.

A economia angolana registou, em 2024, um crescimento do PIB de 4,4%, alimentando o tom optimista do discurso político. Contudo, tal como assinalámos neste espaço em ocasiões anteriores, este desempenho não pode obscurecer a urgência de transformar o crescimento económico em inclusão social, equidade e sustentabilidade.

Recentemente, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou os dados do mais recente Inquérito de Indicadores Múltiplos e de Saúde (IIMS) 2023 2024, que trazem sinais preocupantes. Entre eles, destaca-se o aumento do Coeficiente de Gini, que passou de 0,28 (2015 2016) para 0,37 (2023 2024), Tabela 1. Abrimos aqui um parêntesis para explicar que se trata de um indicador estatístico que mede o grau de desigualdade na distribuição do rendimento (ou riqueza) de uma população, sendo o valor zero igualdade perfeita e 1 desigualdade máxima.

A desigualdade continua a ser mais elevada no meio rural (0,33) do que nas áreas urbanas (0,22). Em termos provinciais, observou-se um agravamento em Malanje, Bié, Cuando Cubango, Bengo, Cuanza Norte e Moxico. Há, porém, uma boa notícia: Lunda Sul e Cabinda, províncias ricas em recursos naturais e socialmente sensíveis, apresentaram redução da desigualdade - um dado que não deve ser subestimado no que toca à preservação da paz social.

Outro dado preocupante é a redução na posse de bens duráveis: menos agregados familiares possuem televisão (queda de 51% para 47%), rádio (queda de 15 p.p.) e telefone (queda de 2 p.p.). Este empobrecimento está claramente ligado ao desemprego elevado, que, apesar da tendência de queda (de 31,9% no IV trimestre de 2023 para 29,1% no I trimestre de 2025), mantém se particularmente alto entre os jovens de 15 24 anos (54,3%).

As Contas Nacionais revelam ainda um padrão que agrava estas tensões: desde 2015, os detentores do capital têm capturado uma fatia cada vez maior do rendimento nacional (mais 6,5 p.p.), enquanto que os trabalhadores viram a sua participação cair 7 p.p., de 26,5% para 19,5% em 2024, cf. Gráfico abaixo. Ora bem, em teoria, essa maior apropriação pelos capitalistas deveria traduzir-se em reinvestimento produtivo e criação de emprego, particularmente para a juventude. Na prática, porém, a alta taxa de desemprego sugere que tal não está a acontecer, reflexo de um ambiente de negócios ainda desafiador e como tal a necessitar de uma atenção cuidada por parte da governação.

Diante deste quadro, vale colocar a seguinte questão: por que razão o Estado não intervém para promover uma distribuição mais equitativa da renda nacional? As evidências históricas mostram que a formação de uma classe capitalista em Angola foi largamente mediada pelo Estado, que permanece ainda como o maior consumidor de bens e serviços e, portanto, com elevado poder de negociação no mercado. Mesmo assim, os últimos 10 anos revelam um aumento da desigualdade na apropriação da renda nacional a favor do capital, sem qualquer sinal de intervenção estatal para inverter esta tendência.

Neste contexto, aos trabalhadores resta a mobilização sindical, como se viu com as greves no ensino superior, dos médicos e dos funcionários do Tribunal Supremo, além da recente greve geral da função pública.

O aumento do Coeficiente de Gini confirma o que já defendemos neste espaço: o crescimento económico de 2024, embora positivo, não significa o fim da crise. Pior: hoje, para muitos angolanos, a sobrevivência com os rendimentos disponíveis tornou- -se muito mais difícil. É importante lembrar que, mesmo num sistema capitalista, os detentores do capital prosperam mais quando existe uma população com capacidade de consumir. Assim sendo, defendemos que a governação precisa compreender que garantir uma melhor distribuição da renda não é apenas uma questão de justiça social - é uma condição para que o próprio crescimento seja sustentável.

Leia o artigo integral na edição 837 do Expansão, de Sexta-feira, dia 01 de Agosto de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. (Saiba mais aqui)

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