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“Sou uma mulher ambiciosa, lutadora e persistente acima de tudo”

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Fundadora e CEO da Super Fashionn, ganhou recentemente o Prémio Victória Garcia pela organização dos Angola Fashion Awards. Ao Expansão, fala da moda e da força de vontade para ultrapassar as situações mais difíceis.

A sua vida nem sempre foi fácil. A morte prematura do seu pai fê-la ter de começar cedo a ajudar em casa. Como foi esta fase?

A minha família é grande. Sou a última filha e cresci com todo o amor e carinho possíveis. O meu pai teve um AVC e, com 13 anos, tive de cuidar dele, que mal podia andar. Quando morreu, foi o fim de tudo para mim. Faltou-nos tudo: protecção, amor, comida e o chefe de família. Foi a pior fase da minha vida. A minha mãe teve de voltar a trabalhar como empregada de limpeza para nos sustentar, cheguei a ficar sem sapatos para ir à escola, e ficava com fome até esperar que a minha irmã nos levasse comida. Lembro-me de ir várias vezes trabalhar pela minha mãe, que sempre teve a saúde muito débil. E ainda bem, pois foi assim que aprendi, cedo, que para ganharmos o pão temos de trabalhar.

Quando, aos 17 anos, começou a viajar para o Brasil para trazer roupa, sonhava que viria a ter uma revista de moda e lojas de roupa?

Após tudo o que passei na vida, de uma coisa tive a certeza: pobreza extrema nunca mais haveria de querer. Ter fome e não ter comida, querer ir à escola e não ter sapatos, são momentos que jamais hei-de esquecer, por isso escolhi vencer. Quando decidi ir ao Brasil, sempre disse que um dia havia de trabalhar, ter dinheiro e cuidar da minha mãe – quando o meu pai andou doente sempre me disse que devia cuidar bem dela, e até hoje trato de honrar esse compromisso. Tinha a certeza de que seria empresária, só não sabia que seria a partir daquela primeira viagem.

É uma mulher lutadora?

Considero-me uma mulher ambiciosa, lutadora e persistente acima de tudo, porque não basta apenas sermos lutadoras. Às vezes as lutadoras desistem quando se encontram débeis. Já os persistentes nunca desistem. Foi Miss Cabinda em 2003. Este título ajudou-a a singrar no mundo da moda? Esse título chegou para completar o que já era, foi a ‘cereja no topo do bolo’. Já tinha bom gosto e vontade de ser empresária. Ser Miss não só me deu capacidade financeira para alavancar o negócio como me deu popularidade para torná-lo mais rentável, e permitiu-me fazer uma das licenciaturas em Contabilidade. Ser miss foi, sem dúvida, a ‘chave’ para tudo na minha vida, aliando a minha inteligência e a minha vontade de vencer, porque beleza, por si só, de nada serve.

A moda angolana está mais internacional?

Está a ser conhecida e reconhecida a nível internacional. Estilistas como Nadir Tati ou Carla Silva estão presentes nos eventos internacionais a dar a cara por Angola. Na vertente ‘modelo’, foi uma explosão – temos hoje três modelos renovadas, e uma delas, a Maria Borges, é favorita de vários criadores, como Givenchy, Moschino, e está presente nas semanas de moda mais emblemáticas do mundo. Tivemos este ano a Amilna Estêvão, que foi a ‘modelo-sensação’, o novo rosto preferido por todos os fotógrafos e estilistas, foi o rosto da Semana da Moda em Nova Iorque. Tive o privilégio de estar no corpo de jurados que a elegeu no Elite Model Angola e hoje digo que é uma honra muito grande ver essas meninas levarem o nome de Angola ao mundo da moda, e ver o País reconhecido nesse sector. É gratificante. Como surgiu a ideia de ter a sua própria revista? Surgiu da minha paixão pela moda. Depois de ter as lojas, as clientes perguntavam como se podiam vestir neste ou naquele evento. Queriam vestir-se igual a mim, mas não tinham a percepção de como acertar na indumentária em todas as ocasiões. Devido a muitas solicitações, e como não conseguia responder a todas devido ao factor tempo e disponibilidade, pensei criar uma revista, onde podia explicar-lhes como combinar roupas, usar novas tendências com o que já tinham. A primeira revista que me veio à mente, mediante as minhas necessidades, foi a Vogue – e decidi pedir sua representação para Angola, o que na altura foi negado devido à ausência das marcas. Foi então que decidi a fazer uma revista ‘Vogue’ à moda angolana. Queria que se chamasse Super, porque o conceito era ser uma supermulher. No registo, o nome foi recusado, alegando que devia acrescentar algo. E acrescentei ‘Moda’: Super Moda. Mas como sempre pensei internacionalizá-la, dei o nome em inglês e ficou Super Fashion, na altura com apenas um ‘n’, hoje com ‘nn’ – Fashionn.

Como tenta atrair o público angolano e o português?

A forma como tenho atraído o público angolano é por ser uma revista dinâmica, ousada e sempre em cima das últimas tendências de moda. Mostramos às angolanas que estão a par das tendências internacionais e não ficam a dever a qualquer mulher. Quanto ao público português, como sabemos há uma união pelos laços históricos entre os dois países, e a Super Fashionn torna-se num único veículo, com uma edição nas bancas em Portugal e Angola. Os anunciantes ganham, pois têm interesses em duas cidades, o que facilita ao investidor português que queira entrar no mercado de Angola para divulgar os seus serviços. Em Portugal, a Super Fashionn também serve para esclarecer a ideia deturpada de várias pessoas que não conhecem Angola têm do nosso País. Hoje, vêem que temos glamour, conhecemos o melhor do mundo e somos trendy, sofisticadas como qualquer mulher ocidental.

Os angolanos gostam muito de marcas de luxo, mas em Angola ainda não há muitas. O que falta para que comecem a investir aqui?

As marcas internacionais têm políticas que devem ser respeitadas, até para salvaguardar o seu bom-nome. Verificámos este ano uma alteração na Pauta Aduaneira para artigos supérfluos, ‘de luxo’. A percentagem que é paga para desalfandegar esses produtos é alta, o que torna inviável a aplicabilidade da margem exigida por essas marcas para equipararem as vendas perante outros mercados. Várias marcas tentaram entrar cá, mas, ao verificarem que a margem seria muito alta e os que produtos acabariam por encarecer, viram que o investimento não seria rentável.

A actual crise afecta o sector da moda? Tem notado isso nas suas lojas Bibi?

Tem afectado todos os sectores, é visível aos olhos de todos, e a moda é aquele sector que é sempre o mais afectado, porque nunca é a prioridade, quando devia ser o inverso. Quando houve recessão, o único sector que teve contínuo crescimento foi o da moda, tivemos um aumento de 4% na taxa de novos criadores internacionais. Em Angola isto não acontece por não ser ainda um país industrializado. As prioridades são sempre os bens de primeira necessidade – alimentação e medicamentos –, mas, mesmo nestes sectores, sentimos que também há dificuldades, chegamos a ver prateleiras vazias nos supermercados. No sector da moda foi um caos, tivemos lojas a fechar, redução de trabalhadores, dificuldade em ter divisas para importar mercadorias. No meu caso, tenho feito compras seis vezes por ano, este ano fiz apenas duas. As vendas caíram a 55%, tive de reduzir o número de funcionários, readaptar conceitos de loja... não foi um ano fácil, e não está a ser fácil.

Como pensa que o Governo poderá dar a volta a esta crise?

Angola tem outros recursos além do petróleo... O Governo tem adoptado medidas penso que correctas para descentralizar a nossa economia da dependência do petróleo. Angola é um país belo em recursos naturais, penso que o Governo deve investir no turismo. A nossa fauna e flora transcendem uma beleza capaz de atrair qualquer turista internacional. O turismo foi um sector que não mereceu atenção, e temos exemplos de países que não constavam no ‘mapa’ mundial do turismo e hoje são os destinos mais visitados. Temos a Tailândia, o Dubai, que investiram em infra-estruturas e atracções turistas. E há o sector da agricultura, que definitivamente devia ser impulsionado desde há anos. O Governo, perante a crise, tem vindo a tomar medidas como bonificação de créditos e programas para incentivar os investidores.

Recebeu recentemente o Prémio Victória Garcia pela organização do Angola Fashion Awards. O que significa este galardão?

Receber o prémio vanguarda da moda a que decidiram atribuir o nome de Victória Garcia é uma honra, é ver o reconhecimento pelo que a Super Fashionn tem feito no mercado da moda em Angola, e tudo isso graças à minha equipa coesa e apaixonada pelo trabalho.

Amante da moda

Chama-se Beatriz Pemba da Conceição Franck, é natural de Cabinda e nasceu a 9 de Março de 1982. Fundadora e CEO da Super Fashionn e das lojas Bibi, diz-se ambiciosa, lutadora e persistente. Gosta de ouvir música, dançar, ler e escrever, e tem como lema “Amem-se verdadeiramente, só assim sabemos o que é certo! Transformem os sonhos em realidade”.