Angola (1995–2022): A jóia turística adormecida de África — Será tempo de despertar?
Mas poderá o turismo angolano ser veículo dessa elevação? Pode uma jornada em Angola transformar o sujeito, moldar a alma, refinar o olhar?
Na prestigiosa e douta revista Tourism and Hospitality, deu-se à estampa, a 11 de Julho de 2025, uma obra de referência que se assume já como epítome de uma nova sensibilidade teórica na economia e ciência do turismo.
Trata-se do estudo exímio do professor catedrático Eduardo Moraes Sarmento, da venerável Lisbon School of Economics and Management, intitulado em vernáculo anglófono: A Framework on Eudaimonic Well- -Being in Destination Competitiveness (Uma estrutura sobre o bem-estar eudaimónico na competitividade dos destinos).
Tal arcabouço conceptual propõe um repensar radical da competitividade turística, deslocando o foco do lucro para a possibilidade de cada destino ser palco do florescimento humano integral - uma epifania de autenticidade, virtude e sentido.
Ora, pode tal tessitura conceptual, já empiricamente aplicada a Cabo Verde, ser de igual modo transposta para o contexto angolano? Terá Angola, com a sua geografia exuberante e a sua memória telúrica, os atributos necessários para se converter num destino de peregrinação interior e de experiência estética total em África?
A estrutura conceptual e a janela angolana
Inspirado na matriz de Ritchie e Crouch (1993, 2000, 2003), o modelo defendido por Sarmento recusa o reducionismo economicista. O sucesso de um destino turístico, postula-se, não se mede pelo afluxo de viajantes nem pelo pecúnio arrecadado, mas pela densidade semântica das experiências que oferece - experiências que produzam metamorfose interior, pertença simbólica, emoção duradoura. O turista, neste paradigma, é peregrino ontológico; não procura selfies, mas sentido; não coleciona carimbos no passaporte, mas encontros com o sublime.
O que é o bem-estar eudaimónico?
A eudaimonia - termo haurido do helenismo e central na Ética a Nicómaco de Aristóteles - designa o viver segundo a razão e a virtude, a consumação do telos (fim) humano. Longe do hedonismo (prazer) fugaz, trata-se da assunção de uma vida excelsa, onde o ser se actualiza segundo a sua natureza mais nobre. Ryff (1989) e Waterman (1993) reconfiguram esta tradição, descrevendo o bem-estar eudaimónico como um estado de crescimento pessoal, autenticidade, relações significativas e compromisso cívico. Mas poderá o turismo angolano ser veículo dessa elevação? Pode uma jornada em Angola transformar o sujeito, moldar a alma, refinar o olhar?
ANGOLA: Potência adormecida ou aurora turística?
Angola, pátria de contrastes e cadências telúricas, detém um espólio geográfico e antropológico de rara fulguração: as dunas do Namibe e as cataratas de Calandula; os relevos da Huíla e as praias secretas de Benguela; as tradições do Ebo e os saberes ancestrais dos mucubais; os rios do Cuando e as ruínas vivas de Mbanza Congo; as águas termais da Tokota, na Conda, e a Pedra de Água, no Seles (Kwanza-Sul). Eis um inventário de maravilhas que clama por ser narrado ao mundo.
E, contudo, por que razão Angola permanece eclipsada nas estatísticas da Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas (UNWTO)? Por que razão recebe Angola - segundo os dados de 2022 - meros 130 mil visitantes com pernoita, enquanto Cabo Verde, com recursos incomparavelmente mais exíguos, atrai mais de 785 mil?
Uma leitura longitudinal das tendências
Cabo Verde
Crescimento robusto e paulatino ao longo de três décadas.
De 28 mil turistas em 1995, eleva-se a 785 mil em 2022.
Recuperação pós-pandémica fulgurante.
Estabilidade político-institucional, estratégia bem definida, infraestruturas operacionais e políticas de captação acertadas.
ANGOLA
Arranca com 9 mil visitantes em 1995, evoluindo de forma errática.
Regista picos em 2005 (210 mil) e 2013 (650 mil), seguidos de colapsos.
Regressa a níveis residuais (64 mil em 2020-2021), com leve ressurgência em 2022 (130 mil).
Modelo turístico incipiente, marcado por vulnerabilidades estruturais e descontinuidade estratégica.
Quatro fases, um diagnóstico
1995-2002:A travessia bélica
Angola dilacerada pela guerra civil, ainda em curso.
Cabo Verde, em paz, lança os alicerces de uma política turística internacional, apoiada pela cooperação lusa e europeia.
2002-2010:O pós-guerra e o petróleo
Acordos de Luena abrem espaço para o investimento estrangeiro.
Cresce o turismo de negócios, mas o lazer permanece marginal.
Cabo Verde consolida-se como destino balnear, investindo no Sal e na Boa Vista.
2011-2015:Apogeu instável
Angola atinge o seu zénite (2013), mas com turismo de elite técnica e empresarial.
Cabo Verde ultrapassa Angola em 2016, mantendo liderança inconteste.
2016-2022:Crise e letargia
Angola submergida em recessão, crise cambial e fuga de capitais.
Pandemia anula ganhos anteriores.
Cabo Verde ressurge com vigor; Angola permanece em estado de hibernação estratégica.
Leia o artigo integral na edição 836 do Expansão, de Sexta-feira, dia 25 de Julho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)