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Empresas & Mercados

"Com os números actuais de inflação e estas taxas de juro o crédito à agricultura é inviável"

Samora Kitumba, economista na Grande Entrevista

O crescimento e desenvolvimento da economia nacional passa pelo sucesso das micro, pequenas e médias empresas, considera Samara Kitumba, numa altura em que a Zona de Comércio Livre do Continente vai exigir mais competitividade e maior qualidade às empresas angolanas.

As políticas que têm sido implementadas para o sector empresarial são suficientes e ajustadas?

No sector empresarial vou dar um enfoque particular ao sector empresarial privado, que considero ser uma das ferramentas fundamentais para promover a retoma da economia angolana, assim como o desenvolvimento do País. E aqui vou centrar-me, em particular, nas micro, pequenas e médias empresas...

Porquê? ...

Porque este sector, particularmente na fase em que o nosso País se encontra, nos ajuda a resolver um problema estruturante que temos: o desempenho equilibrado das micro, pequenas e médias empresas ajuda a reduzir o índice de desemprego. São estas empresas que trazem soluções ajustadas às necessidades das comunidades. As grandes empresas resolvem o problema da arrecadação, crescimento económico, etc.. Mas, no dia-a-dia, a necessidade dos cidadãos no município, na localidade onde se encontra, a solução para a produção de bens ou serviços é proporcionada pelas micros, pequenas e médias empresas.

Este não é um discurso bonito para a nossa realidade?

De maneira nenhuma. Temos é de fomentar o surgimento de mais micro, pequenas e médias empresas. E trazer uma terceira vertente que é fundamental, que é redução da pobreza. Proporcionando o surgimento de milhares de empresas, resolvendo temas estruturantes, como o desemprego, pobreza, necessidades das comunidades, aí sim, estaremos a falar de um processo de retoma eventual da nossa economia. O nosso País, há poucos anos, teve níveis consideráveis de crescimento económico, porém este crescimento não era acompanhado do desenvolvimento económico. O cidadão deve sentir o crescimento económico na sua vida.

O papel das micro, pequenas e médias empresas que descreve corresponde ao que diz a ciência económica. No nosso mercado, é essa a realidade?

Para mim, é inequívoco que quem deve desempenhar o papel principal no crescimento e desenvolvimento económico são estas empresas. Mas devo ser realista e admitir que devido a questões conjunturais isso ainda não acontece. Estamos a vir de 5 anos consecutivos de recessão e o sector empresarial privado, financeiro, instituições, sociedade civil ressentiram-se desta situação. E as empresas, fazendo parte de toda esta dinâmica, naturalmente também não puderam desempenhar o papel que seria desejável.

Como é que estas empresas podem desenvolver os seus papéis numa economia com os estrangulamentos que a nossa tem?

Os constrangimentos para as nossas empresas são bem conhecidos e de vária ordem. Dificuldade de acesso ao crédito, excesso de informalidade, burocracia excessiva, excessiva carga fiscal... Mas, olhando para o estágio da nossa economia, consideramos ser fundamental a capacitação para que as empresas desenvolvam o seu papel. O nosso País está perante um desafio, que é o da retoma da economia, aumentar os índices de competitividade para podermos ombrear de igual com outras economias, principalmente aqui da região. Por isso, considero que a capacitação, treinamento das empresas, diferente cultura empresarial (porque durante muito tempo as nossas empresas estiveram ancoradas ao sector estatal) são fundamentais para o sucesso das empresas.

Isso basta?

Já são conhecidos bons exemplos de empresas com excelente desempenho. Mas para os números que se pretende é necessário que haja muito mais empresas preparadas para este desafio. É necessário capacitá-las no domínio da gestão, literacia financeira, legislação e outros aspectos. É um processo que demora, estamos a falar de mudança de cultura empresarial, não será do dia para a noite, mas é um processo que traz sustentabilidade. O conhecimento permanece ao longo dos tempos e, quando tivermos mais empresas preparadas e capacitadas para este desafio, as coisas acontecem.

A falta de cultura empresarial de que fala terá resultado da forma como muitos negócios foram desenvolvidos, sendo suportados pelo sector público?

No passado, houve um período onde todo o mundo queria fazer negócios com o Estado, estar vinculado ao sistema das ordens de saque, mas com a implementação, por exemplo, de um sistema rigoroso de contratação, as coisas estão a mudar. Exige-se a adaptação das empresas a esta nova era que promove a concorrência entre si. Já não basta ter um nome, exige-se provas dadas, capacidade para realizar determinado serviço ou fornecer determinado bem. Só que este processo não está a ocorrer à velocidade que seria desejável.

Porquê?

Continuamos a colocar a tónica na diversificação da economia, com destaque especial no sector agrícola. O potencial agrícola está no interior do País, é aí onde realmente se faz a agricultura. Se queremos, de facto, levar a sério a questão da diversificação naturalmente que é nestas zonas que devemos levar essas valências e potencializar estas empresas. É verdade que não podemos esquecer os grandes pólos, como por exemplo, Benguela e Luanda, mas devemos aí também reforçar o tema da industrialização. No ano passado, demos um salto grande no que diz respeito à produção nacional e a prova disso é a redução significativa das importações.

Mas depois chocamos com a crónica situação do escoamento dos produtos...

O escoamento não deve ser interpretado simplesmente pela capacidade de trazer produtos dos campos para os centros de distribuição. Escoamento também pode ser a integração dos produtos dos campos nas indústrias. Portanto, tem de haver aqui os consumidores industriais que vão promover a transformação do produto do campo.

Onde ficariam estas indústrias?

Não muito longe dos locais de produção. E ainda há um outro factor mais desafiante depois de ultrapassamos a questão do escoamento, que é o tema da qualidade. Estamos a produzir vários produtos, mas vai chegar uma altura em que estes produtos têm que ser competitivos. Temos de melhorar a qualidade da nossa produção, mas estamos a evoluir. O processo de fomento à produção ainda não terminou, estamos no bom caminho.

Destaca a redução das importações.

Não estamos a falar de reduções suportadas por decretos? Não vejo porque é que, em determinados momentos, em certos estágios da economia, não se possa fomentar a produção por via de decretos. Aliás, faz parte das políticas de fomento. Tudo bem que as economias são abertas, liberais, mas também devemos reconhecer que ainda não somos completamente competitivos. Muitos produtos de produção nacional, devido aos elevados custos operacionais, podem ainda revelar-se mais caros do que determinados produtos importados...

Um factor negativo quando se está num mercado livre. ..

Mas também não podemos esquecer que importar vai exigir uma pressão maior sobre as nossas reservas em moedas estrangeiras, que é um outro problema que a nossa economia vive. Então, porque não, mesmo que tenha de se pagar mais, fazer pagamentos em kwanzas a produtores nacionais? Para isso temos de ter instrumentos e políticas económicas que vão permitir promover este fomento, até ao momento em que teremos vários players no mercado, trabalhando de forma competitiva, e aí, por si só, o mercado vai-se regular.

E a aposta na diversificação económica?

Não vamos atingir a diversificação económica de um dia para o outro por causa de vários factores. O único caminho para a retoma da nossa economia passa necessariamente pela diversificação. O que vai acontecer é o processo ser mais rápido ou mais lento. E isso vai depender do espírito de resiliência, principalmente do sector empresarial privado e do suporte que este sector tiver do Estado, no que diz respeito à regulamentação de todas as actividades do processo de diversificação. Há marcos já atingidos em certos produtos de produção nacional, mas a diversificação é um processo. As condições macro-económicas, de um modo geral, vão determinar se mais cedo atingiremos ou não a diversificação.

(Leia a entrevista integral na edição 607 do Expansão, de sexta-feira, dia 15 de Janeiro de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)