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"Separo bem o ministro do "Neco", como a família me trata"

Francisco Queiroz - F. Tchikondo

Na actividade profissional é Francisco Queiroz, ministro da Justiça e Direitos Humanos. Nas lides literárias é F. Tchikondo que gosta de escrever contos, romance e poemas, em casa é tratado por "Neco". Um dia espera cantar num coro. Como empreendedor está a desenvolver o Mupas Beach. Não deseja ser ministro eternamente, como admite nesta entrevista ao Expansão.

Explique-nos como se desenvolveu esta obra e o que pretende comunicar com o "O Grande Império Kassitur na dinastia Sekele"?

O livro foi lançado no dia 22 de Dezembro de 2020, mas venho pensado neste livro há mais anos. Na altura ainda era ministro da Geologia e Minas. O tema não era este. Inicialmente era outro, muito baseado em algo que me preocupava, a economia não estruturada em que se inclui a informal e a tradicional que é a que se pratica nos meios rurais, na agricultura local, e que é sobretudo de subsistência. Depois veio-me a questão: como é que o nosso País com uma informalização tão grande pode um dia chegar a outros níveis de desenvolvimento? Então imaginei como será Angola daqui a 150 anos, no ano 2150. Fui imaginando vários domínios, incluído o económico que foi o motivo de escrita ou literário, digamos assim, e o ponto de partida é uma empresa, a Kassinda eTurismo que faz a Kassitur. O livro faz uma análise em diversas áreas como a política, económica, demográfica, antropológica, sociológica.

Faz uma análise do que quer para Angola?

Sim, é uma análise evolutiva. Isso é normal. E mesmo na nossa vida particular temos a obrigação de ver como é que as coisas serão daqui a dez anos. Temos que ter esta preocupação e fazer este tipo de projecções. Veja que a União Áfricana fez a projecção de África
2063 que é quando completará os 100 anos. Portanto olhar para os cenários futuros é desejável. Fui mais arrojado e levei a projecção até 150 anos.

Está também a vender o seu livro na Europa?

A obra que foi vendida na Europa foi um ensaio. Escrevi uma dissertação sobre a economia informal. Uma editora bastante conhecida, a Almedina, gostou do livro, publicou lá e aqui. Nesta altura está esgotado e estou a fazer a segunda edição do livro.

O "Grande Império da Kassitur na dinastia Sekele" também vai lá chegar?

Na contracapa do livro tem um texto do Pepetela que faz umas considerações que pra mim são de uma honra muito grande, e recomenda a leitura. E ajudou no sentido do livro ser publicado na Europa. Houve contactos, só não aconteceu ainda porque o mercado europeu está muito em baixo, as livrarias estão praticamente todas fechadas, e as editoras também têm dificuldades por causa da Covid-19, não aceitam fazer novas publicações. Com este patrocínio intelectual de Pepetela a obra estava para ser lançada lá.

Como escolheu o pseudónimo F.Tchikondo?

Tchikondo é o nome da minha avó paterna, mãe do meu pai, ela chamava-se de Albertina Tchikondo, mas por preconceitos coloniais, da época, ela não foi registada como Tchikondo. Adopto o nome da minha avó para resgatar, para fazer com que o nome dela passe a ser conhecido através do meu pseudónimo, porque as autoridades coloniais não permitiram que o nome chegasse a mim pela via normal, que é pelo nome do meu pai.

Mas era tratada pelos mais próximos pelo nome?

Sim. Na comunidade era tratada por mais velha Tchikondo. O meu pai e os outros filhos da minha avó Tchikondo não levaram o nome dela. E mais do que isso, nos registos do meu pai e dos meus tios, aparece como "filhos de mãe incógnita".

Porque não queriam assumir o nome Tchikondo?

Sim! E porque era negra. A avó Tchikondo era uma negra que teve os filhos com um branco português. O nome do pai português branco consta, Rodriguês Queiroz, mas o nome da minha avó, Tchikondo, não consta. A minha avó era da linhagem nobre, quando se juntou ao meu avô ele não sabia falar a língua dela, o Umbundu. Disse-lhe que ela que devia aprender a falar português, mas ela disse-lhe que não: "Tu é que vieste para a minha terra, tu é que tens que aprender a minha língua, o Umbundu". Todos os filhos e nós, os netos, a primeira língua que aprendemos foi o Umbundu.

Foi vítima indirecta do preconceito, devido a história da avó. Hoje é ministro da Justiça e dos Direitos Humanos. Esta sensibilidade que diz ter sobre o assunto ajuda nas suas funções?

O meu passado histórico ajuda bastante a ter sensibilidade pelas questões dos direitos humanos por causa das injustiças que via e que vivi. Porque o que se passou com a minha avó foi claramente uma agressão aos direitos fundamentais dela e de todos os que viviam como ela. Mas também me ajudou no domínio da visão que tenho hoje dos direitos humanos face ao que está a acontecer actualmente no mundo. É muito desigual. Impõem sanções, às vezes fazem com que governos sejam derrubados. E qual é o argumento? Direitos humanos. O que noto, com alguma tristeza, é que estes valores tão fundamentais são usados com fins políticos, com fins de dominação. Tal como há 500 anos atrás como Cristianismo, que é uma coisa tão boa, tão profunda, uma coisa que nos diz tanto, foi usado para a colonização, para a escravatura. Na minha visão, hoje, usa-se um pouco os direitos humanos também com este fim e cometem-se algumas barbaridades.

Que Angola quer ver daqui a um ou dois anos?

udo que qualquer angolano gostaria de ver. Mais progresso, mais desenvolvimento sobretudo naqueles aspectos que afectam a grande maioria da população - a nível da pobreza, do custo de vida, do bem-estar, acesso aos bens essenciais como a água, a educação de base, a saúde. Enfim, todos esses aspectos que realmente são muito importantes para a vida de qualquer pessoa e, na nossa realidade, também. Questões que têm que ver com os direitos e garantias fundamentais, o acesso aos bens económicos, sociais, culturais, políticos. Isto seria muito bom que acontecesse. Desde o mandato do Presidente João Lourenço felizmente houve avanços e uma grande preocupação nestes aspectos. Eu faço tudo na minha área para que isto aconteça.

(Leia a entrevista integral na edição 633 do Expansão, de sexta-feira, dia 16 de Julho de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)