Por que falham os projectos digitais?
As estatísticas apontam que, mais de 70% dos projectos digitais não atingem os seus objectivos estratégicos. Mas porquê? O que está a falhar? As respostas raramente estão na tecnologia, mas sim na forma como estas são integradas na estratégia, cultura e modelo de negócio da organização. Neste texto partilho seis causas comuns para estes insucessos.
A transformação digital é, hoje, uma prioridade transversal a sectores como a banca, energia, seguros e retalho. A nível global, os investimentos em digitalização ultrapassam os dois triliões de dólares por ano, segundo a IDC, com estimativas que apontam para quase 3,9 triliões até 2027.
Em Angola, esse movimento é também evidente. Multiplicam- -se os investimentos em plataformas de e-Commerce, automação de processos, canais digitais e até soluções cloud e ferramentas analíticas. No entanto, estatísticas apontam que, mais de 70% dos projectos digitais não atingem os seus objectivos estratégicos. Mas porquê? O que está a falhar? As respostas raramente estão na tecnologia, mas sim na forma como estas são integradas na estratégia, cultura e modelo de negócio da organização.
Neste artigo, partilho seis causas comuns desses insucessos e o que líderes e podem fazer para transformar os seus projectos digitais em casos de sucesso.
01. Transformação digital é sobre mudar a forma como criamos valor
Uma das principais razões para o fracasso de iniciativas digitais é a falta de ancoragem estratégica ou ligação à estratégia da organização. Como destaca John Kotter, autor do clássico Liderar a Mudança, a ausência de uma visão clara e bem comunicada, representa um risco para qualquer iniciativa transformadora. Nos projectos digitais, essa ausência traduz-se em iniciativas fragmentadas, conduzidas em silos e sem coordenação ou impacto visível. David Rogers, referência global em transformação digital, reforça que essa transformação exige uma reavaliação profunda dos modelos de valor: quem são os clientes, o que valorizam e como esse valor pode ser entregue de forma diferente em ambiente digital. Sem esta reflexão estratégica, a tendência é digitalizar o status quo, replicando processos existentes, sem inovação real, comprometendo a geração de vantagem competitiva. Afinal, a tecnologia, por si só, não diferencia, não promove o crescimento do negócio, nem garante eficiência.
02. Falta de foco no cliente
Outro erro recorrente é a obsessão pela tecnologia, em detrimento da experiência do cliente. A inovação digital só é transformadora se resolver problemas reais de forma melhor, mais rápida e mais conveniente. O foco deve estar em reimaginar a jornada do cliente com base nas suas necessidades, e não nos processos internos. Ignorar a escuta activa, o mapeamento das "dores" do cliente, leva a projectos irrelevantes ou desfasados da realidade. É também essencial adaptar as soluções ao contexto especifico de Angola. Inovar em Angola exige empatia, dados locais e um profundo entendimento do cliente real não do "cliente ideal".
03. Transformar digitalmente é transformar pessoas
A cultura organizacional é, muitas vezes, o factor mais subestimado e, ao mesmo tempo o mais decisivo para o sucesso de iniciativas de transformação digital. Projectos que ignoram a gestão da mudança, o desenvolvimento de competências e o envolvimento das pessoas, enfrentam resistência activa e passiva. Como defende Clayton Christensen em, O Dilema da Inovação, organizações estabelecidas tendem a resistir à disrupção, presas a modelos de sucesso do passado, hierarquias rígidas e aversão ao risco. Esta cultura é antagónica à inovação digital, que exige agilidade, experimentação e aprendizagem contínua.
04. A maturidade digital não vem de software, vem de capacidades organizacionais
A transformação digital é, acima de tudo, uma jornada de negócio que exige o compromisso directo da liderança. Ainda assim, muitos projectos continuam a ser conduzidos como iniciativas exclusivamente tecnológicas, delegadas ao departamento de TI. Liderar iniciativas de transformação digital, exige um novo perfil de liderança, alguém que combina visão estratégica, conhecimento tecnológico, compreensão do negócio, além da capacidade de navegar na incerteza e motivar equipas multifuncionais. Um dos maiores entraves, no entanto, é o skills gap, a escassez de talento interno preparado para concretizar as ambições digitais. Atrair, reter e desenvolver competências digitais tornou-se um imperativo estratégico que não deve ser subestimado, sob pena de comprometer não apenas a execução, mas a própria sustentabilidade da transformação.
Leia o artigo integral na edição 832 do Expansão, de Sexta-feira, dia 27 de Junho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)
DANILSON SEMEDO, Partner de Advisory da KPMG Angola