Basta de comparar o incomparável sobre pobreza
O Governo vem repetindo até à exaustão que a taxa de pobreza em Angola é de 36,6%. Esta taxa corresponderia à percentagem da população angolana que vive abaixo da linha de pobreza absoluta fixada em 4.793 Kz.
Um valor que corresponde custo monetário mensal para um adulto angolano atingir um mínimo de condições de vida.
Considera-se que, para atingir um mínimo de condições de vida, um adulto-equivalente despende mensalmente 2.396 Kz em bens alimentares e 2.397 Kz em bens não alimentares.
Considera-se, que para ser saudável e participar na vida da sociedade, um adulto-equivalente necessita de uma dose calórica diária 2.100 quilocalorias que, em Angola, terá um custo monetário mensal de 2.396 Kz.
O custo monetário mensal dos bens não alimentares foi determinado com base na despesa média de consumo não alimentar dos indivíduos situados 1%, 2%, 3%, até 10% acima e abaixo da linha de pobreza alimentar.
Considera-se que um indivíduo saudável e apto para participar na vida em sociedade gasta em habitação, vestuário, cuidados de saúde, actividades de lazer, etc., 2.397 Kz mensais.
Resumindo, na definição do Governo, um adulto-equivalente angolano é pobre se o seu custo de vida mensal for inferior a 4.793 Kz, dos quais 2.396 Kz em bens alimentares e 2.397 Kz em bens não alimentares.
Podemos concordar ou não com a metodologia utilizada, mas foi com base nela que o Governo definiu a fronteira para classificar os angolanos em pobres e não pobres. Foi a primeira vez que tal metodologia foi utilizada na definição da linha de pobreza em Angola. Razão pela qual os relatores do IBEP 2008-2009 alertam que a taxa de pobreza daí resultante não pode ser comparada com nenhuma anterior.
Por isso, fico estupefacto quando oiço alguém dizer que a taxa de pobreza em Angola baixou de x% no período tal para 36,6% em 2008-2009. Se, no futuro, for calculada uma taxa de pobreza com base na metodologia utilizada pelo IBEP, então sim!, vai ser possível efectuar uma comparação.
Até lá, não é intelectualmente honesto dizer que a taxa de pobreza de Angola baixou x ou aumentou y. Nem comparar a taxa de pobreza de Angola com a de outros países que não utilizam a mesma metodologia. Daí a minha estupefacção.
As únicas comparações possíveis de fazer em matéria de pobreza em Angola é utilizando os dados do Banco Mundial, que, com uma ou outra nuance, utiliza a mesma metodologia para todos os países ao longo do tempo.
Essa metodologia consiste em definir duas linhas de pobreza. A pobreza absoluta, onde são classificados os indivíduos que vivem com menos de 2 USD por dia, e a pobreza extrema, onde figuram os indivíduos que vivem com menos de 1,25 USD por dia.
A conversão das duas linhas de pobreza em dólares para as moedas nacionais é feita utilizando não as taxas de câmbio do mercado, mas taxas de câmbio teóricas com base na paridade do poder de compra entre a moeda nacional e o dólar.
Em termos simples, define-se um cabaz de bens igual para um determinado país e para os Estados Unidos da América num determinado ano. A taxa de câmbio entre a moeda desse país e o dólar é igual ao preço do cabaz na moeda nacional a dividir pelo preço do cabaz em dólares.
No caso de Angola, chegou-se a uma taxa de câmbio de 70,5 Kz por dólar com base na paridade de poder de compra kwanza-dólar em 2005. De acordo com o Banco Mundial, em 2000, a taxa de pobreza absoluta em Angola - pessoas que vivem com menos de 2 USD por dia, o equivalente a 141 Kz - era de 70,2%, percentagem que baixou para 67,4% em 2009, isto é, em 9 anos, a taxa de pobreza absoluta em Angola reduziu-se em apenas 2,8 pontos percentuais (pp).
Já a pobreza extrema em Angola - pessoas que vivem com menos de 1,25 USD, o equivalente a 88,1 Kz por dia - caiu de 54,3% em 2000 para 43,4% em 2009, isto é, em 9 anos, a taxa de pobreza extrema reduziu-se em 10,9 pp.
Quando se fala da evolução da pobreza em Angola, os números do Banco Mundial são os únicos comparáveis - pelo menos que eu conheça. Não é porque são melhores do que outros. Simplesmente foram obtidos usando a mesma metodologia.
Todas as metodologias são válidas desde que explicadas. O que não podemos fazer é comparar taxas de pobreza que utilizam metodologias diferentes.