"Amigo" americano (III)
Angola já é Angola há 50 anos, com guerras e muitos problemas ainda aqui está, e não foi "inventada" na passada segunda-feira
É indiscutível que a visita de Joe Biden, mesmo em final de mandato, é muito importante para o País. Além de representar uma maior ligação daquela que é ainda a maior economia do mundo a Angola, colocou-nos nas primeiras páginas e nos horários nobres dos maiores meios de comunicação em todo o mundo, e mesmo os mais cépticos terão pensado "se o homem lá vai, é porque está a acontecer alguma coisa naquele País". Penso mesmo que esta exposição mediática terá impacto a curto e médio prazo na nossa necessidade de captação de investimento externo, assim o País saiba aproveitar as oportunidades que naturalmente surgirão.
Não vale a pena pensar que agora é ficar sentado com a mão estendida, mas antes, que mais do que nunca, é preciso melhorar o ambiente de negócios, resolver a questão da lei das terras, acabar com as complicações administrativas dos nossos serviços oficiais, penalizar exemplarmente a "corrupção oportunista" que germina nas instituições públicas e que afasta os investidores e, fundamentalmente, ter uma postura menos arrogante e mais inclusiva com aqueles que querem investir.
Se, por um lado, há que afastar o cenário dos mais pessimistas que dizem "agora vem o Trump e rasga os contratos", porque objectivamente os Estados Unidos não funcionam assim e quem cá esteve foi o Presidente do EUA e não apenas o Joe Biden, por outro, também é necessário acabar com essa onda quase histérica de alguns, que agora os nossos problemas acabaram e que os americanos é que vão definir o nosso futuro. Angola já é Angola há 50 anos, com guerras e muitos problemas ainda aqui está, e não foi "inventada" na passada segunda-feira.
Felizmente, parece-me que os nossos governantes não são tão ingénuos como os comentadores dos órgãos públicos, e também não acreditam que agora somos todos irmãos, e que os americanos fizeram esta aproximação porque gostam de nós ou porque acham que somos os africanos mais iluminados. Fazem isto porque precisam dos minerais estratégicos da nossa zona, porque com o afastamento da África do Sul precisam de um parceiro estratégico na região e nunca conseguiram isso na RDC. Porque nos querem vender a sua produção industrial, tecnológica e militar, porque para manterem uma posição de liderança mundial precisam de uma posição estratégica em África e nós podemos ser a porta.
Acrescentar que a forma como foi gerida a presença de Joe Biden em Luanda, com uma tolerância de ponto de dois dias, o trânsito cortado durante horas, o "empurrar" da população para os bairros, para dentro das suas casas, foi no mínimo, catastrófica. Até porque foi tudo feito muito à pressa, imposto de forma abrupta, o que acabou por gerar uma onda de críticas da população sobre um facto que era bom para o País. E claro que teve custos para a nossa economia, porque já não estamos na fase de ficar em casa é que é bom, até porque a maioria dos cidadãos de Luanda precisa da sua actividade diária para sobreviver.
Mas esse facto guardamos para nós, até porque uma parte importante dos jornalistas estrangeiros que veio com o Joe Biden ficou a pensar que nós somos poucos, ordeiros, sem problemas de trânsito, que viver em Luanda é excelente, o que também não é mau para a nossa imagem como País. Como se pintaram os lancis e as estradas, trocou-se os contentores do lixo, "escondeu-se" os arrumadores, os pedintes e crianças de rua, a cidade esteve objectivamente arrumada e bonita durante três dias.
Este terá sido o primeiro ganho, mas agora temos de olhar para a frente. Como rentabilizar esta exposição mediática, como a transformar em mais valias para todos, que passos devemos dar para transformar, nem que seja um pouco, aquilo que verdadeiramente está mal na nossa forma de organização social e económica.