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Angola

Alves da Rocha: "Tem de se assumir a criação de bons empregos, com salários elevados"

Entrevista

O economista aborda os factores que poderão ter influenciado a quebra registada na criação de emprego em 2013. Entre as possíveis causas aponta-se o nível baixo das taxas de crescimento do PIB no ano passado.

Até que ponto são fiáveis os dados sobre a realidade do emprego no País?

Não existem dados fiáveis sobre o emprego em Angola, apesar da existência de um Observatório sobre o Emprego, coordenado pelo Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) e integrado ainda por diferentes ministérios. Só através de inquéritos directos ao emprego/desemprego é que se podem ter aproximações reais e efectivas a esta importantíssima variável económica e social. O Instituto Nacional de Estatística (INE) realizou um inquérito ao emprego em Angola em 2013, tendo publicado os respectivos resultados sob a designação Inquérito ao Emprego em Angola, 2009, 2010 e 2011. As informações que aí constam são da máxima importância.

Que factores concorrem para a geração de emprego?

A criação de emprego em qualquer país depende de vários factores, como o crescimento da economia, e o modelo de organização e funcionamento do mercado de trabalho - quanto menos transparente e rígido, menor quantidade de emprego se gera, pelo menos na óptica neoclássica. Segue-se a natureza dos processos técnicos de produção: quanto menos intensivos em capital e tecnologia, menores as probabilidades de criação de quantidades relevantes de emprego. Outro factor a considerar é a prática do salário mínimo, mas há que ter em conta que este factor pode falsear as regras de mercado e introduzir elementos de distorção. Temos ainda o investimento público e privado, tipo de emprego oferecido pelas famílias que pode ser qualificado ou indiferenciado, que também depende do estádio de desenvolvimento da economia, uma vez que estádios mais atrasados apelam, em princípio, a uma maior proporção de força de trabalho indiferenciada.

A par destes, que outros factores são apontados?

São essencialmente as políticas públicas dirigidas à criação de emprego, como a prática do subsídio de desemprego que, ao aumentar o custo empresarial da mão-de-obra, retrai a procura de empregados por parte do sector privado empresarial. Aponta-se a ainda a mobilidade sectorial e territorial da mão-de-obra dentro do espaço nacional, pois quanto mais obstáculos existirem a esta transferência de força de trabalho, menores serão as oportunidades de trabalho, e a saturação de um determinado sector de actividade é outro factor. O estudo sobre o emprego é um dos mais aliciantes para os macroeconomistas e uma das peças centrais da compreensão e do estabelecimento de modelos e políticas de distribuição do rendimento nacional.

O facto de, em geral, os salários ainda serem relativamente reduzidos em Angola ajuda à criação de emprego? Porquê?

Esta é uma matéria da mais elevada importância. Os salários médios mensais em 2010, segundo as Contas Nacionais, eram de 26.000 Kz, não se percebendo como fazer a diversificação da economia - que, numa primeira fase, vai ter de se basear na procura doméstica. O que tem de se assumir estrategicamente é a criação de bons empregos, com salários elevados, embora indexados aos níveis da produtividade do trabalho. Basear o nosso modelo de competitividade em salários baixos é pura perda de tempo em termos de inserção mundial da nossa economia. Modelos de competitividade com salários baixos existem aos pontapés por esse mundo fora, e isso equivaleria a desqualificar as tremendas possibilidades de Angola competir com competência e em áreas desafiantes.

O conceito de cidadão empregado numa economia como a nossa, onde a informalidade é bastante acentuada, pode, de certa forma, causar imprecisão nas análises sobre o emprego?

Não se está a lidar com uma variável de fácil definição. O que é estar- se empregado? A Organização Internacional do Trabalho (OIT) atribui a situação de empregado a quem, na altura do respectivo inquérito, declarar que na semana anterior exerceu actividade remuneratória durante dois dias. É muito discutível esta aproximação, mas é a internacionalmente usada. Por esta simples descrição de factos se percebe a complexidade em se responder a perguntas simples sobre o emprego. O Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) [da Universidade Católica], no seu Relatório Económico Anual - o de 2013 está em preparação, com muitas novidades, a ser lançado na tradicional conferência internacional, a 6 de Junho -, aborda, de uma forma responsável, a problemática do emprego, à qual junta a da produtividade.

Em 2013 a criação de emprego caiu perto de 30% face a 2012. Como explica esta redução?

As taxas de crescimento do PIB estão em níveis comparativamente baixos em relação ao que foram no passado, nomeadamente entre 2004 e 2008, com uma taxa média anual de 17,2%. Emprego e crescimento, em princípio, têm uma relação amistosa, sendo que, quanto mais elevado for o segundo, maiores as oportunidades de criação de postos de trabalho. A taxa de crescimento do PIB em 2013 foi de apenas 4,1%, corrigindo-se em baixa a que foi inicialmente apresentada no Relatório de Fundamentação do OGE de 2014. No entanto, se a queda do emprego foi de 30%, então mais qualquer coisa se deve ter passado...

No seu parecer, o que pode ter ocorrido?

Podemos apontar o encerramento ou diminuição da actividade de empresas por não pagamento das dívidas do Estado, que parece que ainda não resolveu integralmente as de 2010 e 2011, de acordo com um relatório do FMI sobre Angola, divulgado em Fevereiro passado. A estiagem, que afectou a actividade agrícola, a fase de reorganização de alguns sectores de actividade com vista a ganharem mais competitividade num mercado inundado de empresas estrangeira e outras razões por aí fora. Não deixa, no entanto, de ser preocupante esta quebra, que seguramente afecta o grande objectivo do MPLA de crescer mais e distribuir melhor, uma vez que o emprego é um vector importante para a obtenção desse desiderato.

Os sectores de agricultura, energia e minas, energia e água, e turismo e hotelaria foram aqueles onde a criação de emprego mais aumentou. É previsível que continuem a ser estes os sectores que mais puxam pelo emprego?

Tinha de ser feita uma análise retrospectiva para se poder tirar essa conclusão. A indústria transformadora pode ser também um sector criador de emprego.

No sector dos transportes, houve uma forte redução da criação de emprego. O que poderá justificar este facto?

Talvez a necessidade da sua restruturação com vista ao aumento da sua eficiência económica.

Este ano pensa que a criação de emprego vai aumentar ou diminuir face a 2013? Porquê?

Depende das políticas que o Governo tem na gaveta para fomentar a criação de emprego. O FMI reviu de 8,8% para 5,3% a taxa de crescimento do PIB para 2014. O Governo pode ter outro entendimento.

André Samuel

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