CES avança com proposta para alteração da Lei de Terras
Governo também já está a trabalhar nos termos de referência para a reforma das leis fundiárias, mas ainda sem uma proposta concreta para dar andamento ao processo. Terras comunitárias, titularidade e acesso ao direito de superfície estão entre as principais preocupações do CES.
O Conselho Económico e Social (CES) entregou ao Presidente da República, durante a primeira reunião plenária de 2025, que se realizou no dia 21 de Março, em Luanda, uma proposta de alteração da actual Lei de Terras, que está em vigor desde 2004. Ainda não são conhecidas todas as mudanças propostas pelos membros do CES, mas o Expansão apurou que algumas das alterações visam melhorar o acesso à titularidade das terras e ao direito de superfície, bem como criar condições para gerir de forma justa os chamados terrenos comunitários.
"A nossa ideia é, do ponto de vista dos terrenos comunitários, propor determinadas alterações, que também são urgentes do ponto de vista do acesso à titularidade da terra, reconhecimento do poder tradicional e dos aspectos culturais. Outra questão fundamental está relacionada com o direito de superfície, principalmente quando os investidores estrangeiros são obrigados a discutir esta questão com os sobas, no terreno, ao invés de ser o governo a liderar este processo, em parceria com as autoridades tradicionais, para depois conceder o terreno ao legítimo utilizador", descreve fonte do Expansão que faz parte do CES.
O acesso à terra e aos direitos fundiários em Angola continua a ser um martírio para a maioria dos cidadãos, cenário que se reflecte no baixo número de imóveis legalmente registados e, em geral, nos graves problemas de ordenamento do território, tanto nas zonas urbanas, como no meio rural. Esta realidade tem efeitos directos também no branqueamento de capitais e lavagem de dinheiro no sector imobiliário, já que a falta de registos e de monitorização da compra e venda de imóveis acaba por facilitar a prática de actividades criminosas.
Cerca de 20 anos depois da última reforma da Lei de Terras, em 2004, diversas forças políticas e organizações da sociedade civil têm defendido a necessidade de alterar a legislação em vigor, até porque a realidade do País mudou substancialmente, mas os conflitos associados aos direitos fundiários continuam a provocar escândalos que mancham administrações locais, governos provinciais, governantes e forças da ordem e segurança (sobretudo ao nível das altas patentes).
"O que nós fizemos foi um trabalho do ponto de vista daquilo que diz a Lei de Terras, na perspectiva das terras comunitárias, dos aspectos que têm de ser melhorados e quais as constatações saídas dos levantamentos sobre o assunto realizados por nós", avança fonte do CES.
"Sabemos que houve uma proposta de alteração da lei, em 2020, que acabou por não avançar. Também sabemos que, neste momento, o governo está a trabalhar nos termos de referência para mudar a legislação, mas ainda não há nenhuma proposta concreta, por isso resolvemos avançar", explica a mesma fonte, que sublinha o elevado número de contribuições vindas dos membros do CES.
Uma longa história
O acesso à terra, até pelos efeitos directos provocados pela política colonial na gestão fundiária (com expropriações generalizadas no meio rural e um regime de acesso condicionado), tem sido um tema central na política angolana desde o pós-independência, ainda que com diferentes níveis de relevância ao longo do tempo.
Após 2002, com o fim do conflito militar interno que afectou o País desde 1975, os partidos políticos, mas, sobretudo, as organizações da sociedade civil conseguiram influenciar a agenda pública ao ponto de o governo avançar para a lei em vigor, que foi aprovada em 2004.
Depois desta fase, o assunto foi perdendo espaço na agenda pública, mesmo sem grandes alterações práticas, mas parece estar a ressurgir nos últimos anos devido aos graves conflitos que afectam os subúrbios das grandes cidades, com Luanda à cabeça, e também as melhores terras para a produção agrícola, com efeitos negativos no desenvolvimento do meio rural e na actividade das famílias camponesas.
Em Julho de 2024, este contexto, bem conhecido pelos cidadãos, deu origem a um posicionamento firme da Provedora da Justiça, Florbela Araújo, que apelou à necessidade de concretizar mudanças na legislação.
"Apelamos ao senhor ministro da Administração do Território para que divulgue, junto dos governos provinciais, a legislação sobre o Ordenamento do Território e a Lei de Terras para evitar os conflitos e a ocupação ilegal de terrenos. O cidadão ainda tem dificuldade em conhecer os seus direitos e a forma como deve legalizar o seu terreno. Ter acesso ao direito de superfície continua a ser difícil", reconheceu Florbela Araújo, citada pelo Jornal de Angola.
Leia o artigo integral na edição 819 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)