FMI diz que o Governo deve abster-se de violar a lei do banco central
O BNA pode emprestar ao Governo o equivalente a 10% das receitas fiscais do ano anterior, empréstimos que devem ser pagos nesse ano. Mas o Governo quer abrir uma excepção.
O Governo deve cumprir a lei do Banco Nacional de Angola (BNA), ao abster-se de alargar o prazo de vencimento dos empréstimos do banco central, adverte o Fundo Monetário Internacional (FMI) num relatório, onde "aponta o dedo" à medida que está prevista no Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2025 que pressupõe uma violação à lei própria do supervisor bancário.
A lei do Orçamento Geral do Estado para 2025, aprovada na Assembleia Nacional, concede autorização ao BNA para receber uma carteira de títulos emitida pelo Ministério das Finanças, tratando-se de um empréstimo ao Estado, cujo reembolso deverá "ocorrer até ao prazo limite de cinco anos", prazo que viola a Lei do banco central que obriga a que os empréstimos ao Estado devem ser amortizados até 31 de Dezembro do ano em que estes são concedidos. Especialistas consultados pelo Expansão na altura advertiam que esta autorização concedida pelos deputados compromete também a independência consagrada constitucionalmente ao banco central, já que aparenta ser uma "ordem" vinda de cima.
Esta operação de financiamento do BNA ao Estado já estava prevista na proposta de OGE 2025, mas sofreu alterações no documento aprovado no Parlamento. Inicialmente estava escrito que "o Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, é autorizado a emitir, uma carteira de títulos em moeda externa, até ao limite de dois mil milhões de dólares com a maturidade mínima de 5 anos, a favor do BNA mediante termos e condições a acordar, de acordo com o número 3 do Artigo 5 (Financiamento). Já o documento aprovado faz com que deixe de ser o Presidente a violar a lei do BNA, passando esse ónus para os deputados, já que o mesmo número do Artigo 5 refere que "é concedida ao Banco Nacional de Angola autorização para receber uma carteira de títulos, emitida pelo departamento ministerial responsável pelas Finanças Públicas, em contrapartida do crédito concedido ao Estado, mediante termos e condições a acordar, cujo valor não deve ser superior a 10% da receita corrente do Estado, relativas ao exercício financeiro de 2024". Já o número 4 refere que o "reembolso do crédito a favor do Banco Nacional de Angola deve ocorrer até ao prazo limite de 5 anos".
Este prazo viola claramente a lei do BNA, cujo Artigo 35 autoriza excepcionalmente empréstimos ao Estado sob forma de conta corrente até ao limite de 10% das receitas ordinárias do OGE do último ano, mas que obriga a que o valor emprestado e respectivos juros devem ser liquidados "até 31 de Dezembro do ano a que respeite" e que estes devem ser "liquidados somente em dinheiro" (número 2 e 3 do Artigo 35). E põe em causa também os esforços que têm sido feitos nos últimos anos para se evitar novas violações à lei do banco central no que diz respeito aos financiamentos ao Estado. Aliás, basta olhar para os últimos dias de 2024, em que o Governo se endividou a juros quase proibitivos junto da J.P. Morgan para conseguir pagar 1,4 biliões Kz de empréstimos concedidos pelo banco central ao longo do ano passado.
Depois de a nível interno vários especialistas terem alertado para a violação da lei do BNA, através desta operação, agora é o FMI a dizer que o Governo o deve evitar, de acordo com o último relatório sobre as visitas regulares aos países membros no âmbito do artigo IV da instituição. "As autoridades devem cumprir a actual lei do BNA e abster-se de alargar o prazo de vencimento dos empréstimos do BNA para mitigar os riscos para a independência do banco central e ajudar a salvaguardar as reservas internacionais", refere a instituição multilateral, acrescentando que esta autorização deve ser "suprimida do próximo orçamento de 2026".
O Fundo acrescenta que o cumprimento da lei do BNA "é crucial para mitigar os riscos para as reservas internacionais decorrentes dos empréstimos em divisas ao Governo" e adverte que este tipo de financiamentos excepcionais devem ser feitos em "conformidade com regras estabelecidas e previsíveis".
Entre Janeiro e Fevereiro, o banco central já emprestou 539,8 mil milhões Kz ao Governo, equivalente a 591,9 milhões USD, de acordo com as Estatísticas Monetárias e Financeiras do BNA, tratando-se de cerca de um quarto dos 2.000 milhões USD que constam na autorização concedida por deputados e pelo Governo ao BNA.