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Opinião

E 2022 aí tão perto - II parte

Laboratório Económico

Ainda com 2020 por encerrar (as taxas de crescimento da actividade económica apresentam uma razoável amplitude: -4% para o Banco Mundial e o FMI, - 6,5% para a IHS Markil, -6,8% para o CEIC, zero por cento para o Governo), a percepção geral é a de que as políticas económicas continuarão a ser insuficientes e desfocadas para se inverter as tendências de degradação das condições de vida (no seu recente pronunciamento aos quadros do Departamento do Tesouro Americano, a recém nomeada presidente, Janet L. Yellen, sublinhou que "... afinal a economia não deve ser apenas qualquer coisa que se encontra nos livros, nem uma mera colecção de teorias", sublinhando que a razão que a levou a deixar a Academia para se juntar ao Governo de Biden foi porque acredita que "a política económica pode ser um poderoso instrumento para melhorar a sociedade; nós podemos e devemos resolver a desigualdade, o racismo e a mudança climática por seu intermédio".

A política económica ou é um meio para se melhorar os padrões de vida da população ou então não o é. Política económica é actuação sobre o que está mal, para se aperfeiçoar o bem-estar da sociedade. Foi isso que aprendi durante a minha formação de economista, mas aparentemente não é isso que está a acontecer no nosso país (o gráfico seguinte expressa bem o trajecto de longa duração da economia nacional).

Recuperar a tendência de 2002/2008 afigura-se difícil (muita burocracia, muito compadrio, muita falta de transparência) e demorado (porque apelativo de investimento privado, que não acorre enquanto estas mazelas continuarem a infestar o quotidiano de quem quer trabalhar e resolver os seus problemas.

A igualdade (redução da pobreza), a educação, a saúde e o emprego são as alavancas essenciais para se promover o crescimento e o desenvolvimento. E a política económica deve concorrer para a sua afirmação. O Índice de Pobreza Dimensional - calculado pelo INE na base de um Inquérito de 2015-2016 - e que engloba 16 indicadores sobre educação, saúde, qualidade de vida e emprego, era de 54% (a população é considerada multidimensionalmente pobre, segundo os padrões universais, se 30% ou mais sofrer das 16 privações consideradas no índice). A taxa de intensidade média de pobreza está calculada em 48,9%, exprimindo que os pobres em Angola sofrem, em média, praticamente metade das privações elencadas no IPM. Com o agravamento de toda a situação económica e social do país, desde 2016, é crível ter acontecido um agravamento desta situação de carências e degradação nas condições de vida de toda a gente. A taxa de pobreza estritamente monetária (medida pelo padrão de menos de 1,9 USD por dia), estimada pelo INE para 2018/2019 em 41% tem de ser revista. Os meus cálculos apontam para 45,7% (usando os dados oficiais e os do FMI para o crescimento do PIB). Ou seja, 14.165.000 pessoas não têm meios de suportar a crise e melhorar a sua vida. Acabam por ser autênticos "zombies" vagueando pelas cidades e senzalas. É para isto que tem de servir a política económica. Os reequilíbrios macroeconómicos, sendo necessários (apesar de voláteis, porquanto todas as economias, desenvolvidas e não desenvolvidos, estão sempre em processos de ajustamento e, como dizia o nobilado Paul Samuelson, a sua preservação passa sempre pelo crescimento económico e pela condição social dos povos), não podem ser absorventes de toda a política económica, porque em primeiro lugar estão as pessoas. É justamente nestes contextos que se colocam a confiança das pessoas e as suas expectativas. Confiam as pessoas - para quem as políticas económicas se devem dirigir - nas políticas públicas e o que efectivamente esperam para o seu futuro? Tal como no artigo anterior, vou utilizar o estudo do Laboratório de Ciências Sociais e Humanidades, da Universidade Católica de Angola, apresentado, em Dezembro de 2020, intitulado "Corrigindo o que está mal e melhorando o que está bem?"(1) e baseado num conjunto de 1.699 entrevistas junto de alguns segmentos da população (3). Recomendo a sua leitura atenta, para que os fazedores de programas baseiem as suas propostas de política económica, não nos seus interesses/preferências ou dos seus compadres e confrades, mas sim nas aspirações da população.

Expectativas relativamente aos resultados das eleições de 2017

A este questionamento responderam validamente 1.547 pessoas e 55% entenderam que os resultados das eleições não corresponderam às suas expectativas, provavelmente influenciados pelas sequenciais inquinações verificadas em eleições anteriores. A confiança entre eleitores e eleitos tem-se vindo a degradar: 45 anos de poder político consecutivo, políticas económicas descentradas da realidade, situação social sem alterações estruturantes (em cada ano repetem-se os mesmos problemas na educação, na saúde e na protecção social) podem ser algumas das razões descortináveis. O corresponder às "suas expectativas" pode significar ser militante ou simpatizante do MPLA ou, mais passivamente, que não há nada a fazer, atendendo à desproporção dos meios financeiros e materiais utilizados e mesmo à maior capacidade de mobilização do partido vencedor (47,2% dos inquiridos refere-o como razão da vitória, enquanto 7,3% respondeu dizendo que prefere a mudança na continuidade. O não corresponder "às suas expectativas" (55%) pode ter a leitura política de vontade de mudança. Benguela, Luanda e Huíla são as províncias de maior desproporcionalidade entre o Sim e o Não: para cada sim, 2,5 de respostas negativas na primeira, 1,7 para a capital do país e 2,6 para os eleitores da capital huilana. Bié, Huambo, Cuanza Sul, Lundas, Malanje, Namibe e Uíge são as parcelas do território nacional mais próximas do "status quo", onde, para praticamente 50% dos respondentes Sim, os resultados estiveram dentro das suas expectativas.

Diferenças entre o governo actual e o anterior

Os itens observados foram, Melhor (mais esperança, mais democracia e mais liberdade) e Não há diferença, resultando que para 48% dos respondentes ao inquérito a resposta foi a primeira. É curial situar o inquérito, e consequentemente as suas respostas, no tempo, para se poder avaliar o conteúdo de algumas respostas. Quando quase metade afirma que o Governo é melhor, estava-se ainda longe dos "tsunamis" pandémico, económico e social que acabaram por se instalar, depois de Maio de 2018 (data de realização do "survey") e, na verdade, as expectativas eram muitas para uma franja ainda assim considerável da população, exausta de 38 anos de poder político discricionário e afastado das necessidades do povo (é para aí que caminha a actual governação, claro, do meu ponto de vista). Benguela - a praça-forte do pensamento livre e das oposições políticas - comanda, com 56% das respostas ao atributo Não há diferença. Talvez por considerações e diferenciações político-culturais (visíveis há muito tempo e que culminaram com o recente massacre do Cafunfo), a Lunda Norte ostenta a segunda posição (52,1%) quanto à não existência de diferenças entre o anterior e o actual governo. No restante do país, a onda de esperança e de mudança tomou conta das percepções dos angolanos, inverificáveis até ao momento, não tendo passado de uma miragem.

Conhecimento sobre o Orçamento Geral do Estado

Talvez uma das variáveis que melhor expressa a necessidade da criação das autarquias, como a melhor forma de aproximar governados e governantes, fazendo dos primeiros, também, fazedores da política económica. O Orçamento de Estado é o mais importante instrumento de e da política económica, em qualquer circunstância (contra-ciclo ou pró-ciclo) e por isso deve revestir-se da maior participação possível (sem demagogias e com civilidade). No inquérito, 71% dos entrevistados declarou não conhecer esta peça determinante para as suas vidas (crescimento económico, criação de emprego, mais saúde, educação e protecção social, melhores condições de vida, etc.). O Não conhecer pode ter duas aproximações, não extraíveis do inquérito; desinteresse em conhecer ou limites institucionais à sua divulgação, que importaria indagar. As províncias do interior-centro e interior-leste são as que menos conhecimento têm do Orçamento de Estado: Bié (90,7%), Cuando Cubango (73,3%), Cunene (78,4%), Cuanza Norte (86,2%), Cuanza Sul (76%), Lunda Norte (71,4%), Lunda Sul (80,8%), Namibe (85,2%) e Uíge (80,2%).

(1) Continuo a expressar-me de acordo com a antiga ortografia.
(2 )Estudo elaborado e coordenado por Catarina Antunes Gomes e Cesaltina Abreu.
(3) Os testes de validade e coerência foram realizados pelos colegas João Van-Dúnem e Albertina Delgado, da UCAN, e comprovam a sua representatividade e aderência.