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O mercado da electricidade: uma mercadoria diferente de todas as outras

EM ANÁLISE

O interesse económico na produção de energia eléctrica, nomeadamente através do recurso a energias renováveis, poderá passar a contribuir para as exportações do País. Este é, aliás, um sector que tem sido objecto de diversos investimentos públicos, mas também de incentivos ao investimento privado.

Para facilitar o comércio internacional de mercadorias, a Organização Mundial das Alfândegas (OMA) desenvolveu e tem vindo a actualizar o Sistema Harmonizado (SH), uma nomenclatura internacionalmente reconhecida utilizada para classificar todas as mercadorias. Com a adopção deste sistema, a cada mercadoria irá corresponder um determinado código pautal, que deverá ser utilizado como elemento identificador, no comércio internacional, ou seja, aquando da exportação e importação de mercadorias. A electricidade, apesar de não ter um elemento físico ou corpóreo, é tratada como uma excepção neste contexto. Assim, a energia eléctrica é classificada no capítulo 27, especificamente sob o código 2716 do SH, bem como da Pauta Aduaneira Angolana (e em tantas outras de outros países).

Embora a electricidade não seja uma mercadoria tangível no sentido tradicional, é classificada como tal para fins de transporte, tributação aduaneira e outras questões relacionadas ao comércio internacional. Portanto, tanto a entrada como a saída de electricidade em e de território aduaneiro angolano devem ser acompanhadas do correspondente despacho aduaneiro de importação ou exportação, conforme o caso, estando sujeitas aos encargos aduaneiros aplicáveis a cada uma das operações. No caso da importação de electricidade para Angola, a mesma encontra-se "livre" de direitos aduaneiros e sujeita a Emolumentos Gerais Aduaneiros (2%) e a Imposto sobre o Valor Acrescentado (14%). Por seu turno, a exportação de electricidade está isenta de qualquer encargo (tão pouco serão cobrados Emolumentos Gerais Aduaneiros de 0,1% como é o caso da exportação de minérios e crude).

Para além da Pauta Aduaneira, também o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) no seu artigo 5.º identifica que a energia eléctrica deve ser tratada como um bem corpóreo, e a sua transmissão está sujeita a IVA (como se de uma transmissão de bens corpóreos se tratasse).

Embora a legislação aduaneira e fiscal trate a electricidade como uma mercadoria (excepto em matéria de Imposto Industrial, onde o fornecimento de energia eléctrica parece cair no conceito de prestação de serviço), na realidade a electricidade é uma "mercadoria" muito particular: o armazenamento convencional é impossível, assim como o seu transporte via marítima, terrestre ou aérea. De facto, a importação e exportação de energia eléctrica apenas é possível mediante a criação de uma rede de transporte de electricidade (vulgo, as linhas eléctricas), e, nessa medida, a sua importação e exportação dependem, efectivamente, da criação de um mecanismo logístico e de transporte próprio. Apesar dos desafios inerentes à sua comercialização, a eletricidade tem-se mostrado uma mercadoria valiosa e estratégica em muitos países, não apenas para uso interno, mas também para fins de exportação, o que assume particular relevo se analisado o número reduzido de pessoas e empresas ainda sem acesso a electricidade nos países da SADC, e que têm de recorrer a fontes próprias (na maioria das vezes, através da utilização dos já conhecidos geradores) ou que, simplesmente, dependem ainda do carvão.

De acordo com dados recentes disponibilizados, Angola produz já cerca de 6319.43 MW, na sua maioria oriundos de investimentos realizados nas centrais hidroelétricas, tendo igualmente iniciado o processo de reestruturação e diversificação da sua matriz energética e concluído com sucesso a implementação de parques solares (tendo o maior deles uma capacidade de geração instalada de 188.8 MW, tornando-se, assim, o maior parque solar do País). Isto permite, actualmente, a existência de um superavit de capacidade, sendo necessária a expansão da rede para o sul e leste do país, de forma a fazer face ao necessário escoamento da energia produzida.

Tendo sido estabelecido como meta para 2027 o alcançar de uma taxa de acesso a energia eléctrica por parte da população angolana, na realidade, o desenvolvimento sustentável do sector eléctrico em Angola pode igualmente abrir oportunidades para exportar energia eléctrica para países vizinhos da região, contribuindo assim para o desenvolvimento económico regional e fortalecendo os laços de cooperação energética na África Austral. Esta pode, aliás, ser uma oportunidade única para testar o potencial do tão badalado mercado do continente Africano (com o anúncio da União Africana) ou a consolidação da Zona de Comércio Livre da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).

*LÍLIA TOMÉ DE AZEVEDO, Sócia da Miranda & Associados, escritório membro da Miranda Alliance

ANA SOFIA ROQUE, Of Counsel da Fátima Freitas & Associados, escritório membro da Miranda Alliance

Leia o artigo integral na edição 767 do Expansão, de sexta-feira, dia 15 de Março de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)