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Como assim, apanhou tala por causa de inveja?

EM ANÁLISE

Esta atribuição generalizada dos males à tala faz com que as pessoas não procurem tratamento especializado e busquem, em vez disso, ajuda tradicional. O grande problema está na crença. Hoje, as pessoas, sem procurarem qualquer diagnóstico especializado, já identificam a maioria dos problemas como sendo tala e recorrem a tratamentos não convencionais.

A Evynna tinha 39 anos e era muito dedicada. Trabalhava na empresa há quase 20 anos e, recentemente, recebera uma grande promoção. Finalmente, todo o esforço despendido e horas dedicadas à instituição estavam a ser valorizadas. No entanto, a felicidade foi de pouca duração. Alguns meses depois, começou a queixar-se de dores e inflamação na perna direita. Os familiares aconselharam tratamento tradicional, que ela seguiu à risca, mas sem conseguir melhorar. Os familiares e colegas não tinham qualquer dúvida: ela sucumbira à tala que apanhara por ter subido de posto.

Mas o que é, afinal, a tala?

Vejamos algumas respostas a essa questão, de participantes anónimos:

"Tala é inchaço na perna, na mão ou na barriga, causada por inveja do sucesso da pessoa que levou tala".

"É feitiço. É do demónio. É um pó que te atiram e fica a inflamar o braço ou a perna".

"É uma doença provocada por um veneno que é jogado num objecto. Se tocarem no objecto, a pessoa visada adquire a doença, que se espalha por todo o corpo. A tala pode ser por inveja, ou só para prejudicar. Dizem que há mercados que vendem a 100 ou a 200 kwanzas".

"Já ouvi dizer que saíram coisas da perna de uma pessoa com tala: panela, agulha, garrafa, osso. E não se trata no hospital. Só se trata no kimbandeiro. Podes apanhar por pisar uma coisa qualquer na rua, tipo água. E é direccionada a alguém, por causa da inveja. Mas se outra pessoa pisar, também apanha. E quando começas a trabalhar, não podes ir armado que sabes mais que os mais velhos, não podes querer ofuscar".

Questionados, dois dos grandes especialistas da nossa praça predispuseram-se a dar a sua opinião.

Segundo a doutora Sónia Cunha, médica e psiquiatra (IG @mentalrehabcaresaudemental01; Facebook: Mental REHAB CARE - Saúde mental): "A tala é um assunto delicado. A tala, como é chamada na denominação popular, pode referir-se a muitas patologias, que depois acabam por evoluir para a inflamação de partes moles, músculos, pele e tecidos. Falando de tala, podemos referir-nos a patologias como a erisipela, que é uma inflamação da pele causada por bactérias do tipo estreptococos; a leishmaniose, que começa com uma pequena ferida, provocada por um protozoário, transmitido pela picada de um mosquito; a gangrena; ou as úlceras de origem venosa ou arterial. As pessoas acabam, muitas vezes, por perceber tarde demais a gravidade destas lesões, chegando, normalmente, ao hospital com a infecção já em estado avançado, o que dificulta o tratamento. Por essa razão, os pacientes podem evoluir para um quadro de sepse, que é a infecção generalizada, e morte. Cientificamente falando, a tala é isso. Já numa vertente mística, segundo o pensamento popular, a tala é algo superpoderoso. Li que em algumas comunidades mais recônditas há um tipo de veneno feito com a mistura, entre outros, de plantas, espinhos e venenos de animais, capaz de causar uma inflamação parecida à erisipela, ou necrose dos tecidos. Mas precisamos de investigar mais".

Para o Dr. António Saraiva, psicanalista e decano da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da ULA ([email protected]): "Inicialmente, a falta de diagnósticos precisos e fidedignos levou o povo a chamar as inflamações que surgiam nas pernas de tala, devido a toda a carga cultural e mística que transportamos. Hoje, entretanto, as pessoas já começam a identificar qualquer mal como sendo tala. Por exemplo, já ouvi um colega dizer que lhe tinham atirado uma tala para os olhos. Esta atribuição generalizada dos males à tala faz com que as pessoas não procurem tratamento especializado e busquem, em vez disso, ajuda tradicional. O grande problema está na crença. Hoje, as pessoas, sem procurarem qualquer diagnóstico especializado, já identificam a maioria dos problemas como sendo tala e recorrem a tratamentos não convencionais".

Leia o artigo integral na edição 773 do Expansão, de sexta-feira, dia 26 de Abril de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)