Agricultura em perspetiva: Potencialidades naturais versus capacidades económicas
A concretização do potencial produtivo do sector agrícola em Angola deve resultar da conjugação das capacidades naturais e capacidades económicas. A falha em distinguir e articular estas duas dimensões tem sido um dos principais motivos para o insucesso de muitas políticas públicas que tem sido implementada até agora.
O sector agrícola em Angola é frequentemente exaltado pelo seu vasto potencial, ancorado na diversidade agroecológica e condições edafoclimáticas que o país possui. No entanto, o enfoque nas capacidades naturais, embora justificável, muitas vezes ignora a complexidade envolvida na transformação dessas potencialidades em produtividade real e sustentável.
Desde logo, o potencial do sector agrícola deve ser analisado a partir de duas dimensões complementares: capacidades naturais e as capacidades económicas. Esta distinção é crucial, pois, enquanto as capacidades naturais fornecem a base física e ambiental para a exploração das actividades agrícolas, são as capacidades económicas estruturais que determinam se essa base pode ser explorada de forma eficaz e competitiva. Ignorar essa dualidade tem sido uma das falhas recorrentes nas estratégias de desenvolvimento agrícola em Angola, levando à implementação de políticas que não conseguem traduzir as vantagens naturais em benefícios económicos tangíveis. Este artigo propõe uma abordagem mais equilibrada, que distingue e articula as potencialidades naturais e as capacidades económicas, com objetivo de formular políticas e programas de intervenção mais eficazes para o sector agrícola.
As "potencialidades naturais" do sector agrícola angolano são inegáveis. O país possui extensas áreas de solos aráveis, condições climáticas favoráveis e abundância de recursos hídricos. Estes factores, frequentemente destacados em discursos políticos, são apresentados como a base sobre a qual a agricultura pode florescer. Contudo, embora estas condições sejam necessárias, elas não são, por si só, suficientes para garantir o desenvolvimento da agricultura. A experiência tem mostrado que a simples existência de recursos naturais não se traduz automaticamente em capacidades produtivas reais. O foco exclusivo nas potencialidades naturais sem uma análise complementar das capacidades económicas e competitivas, tende a criar uma visão distorcida do verdadeiro estado do sector agrícola e das suas necessidades.
Por outro lado, as capacidades económicas referem-se ao conjunto de condições que permitem a mobilização e a utilização eficiente dos recursos naturais para a produção agrícola. Dito de outro modo, trata-se da existência de factores que influenciam directa ou indiretamente a viabilidade e a competitividade da produção agrícola. Estas incluem factores como os custos de produção, o acesso ao conhecimento tecnológico, a existência de infraestruturas adequadas de transporte e a estabilidade das condições macroeconómicas - as taxas de câmbio, juros, inflação, etc. Estas variáveis constituem a pré-condição para determinar a viabilidade dos projectos e a competitividade da produção agrícola em qualquer contexto.
Em Angola, a falta de infraestruturas adequadas para o escoamento de produtos, os elevados custos de produção e a volatilidade do ambiente macroeconómico têm dificultado a conversão das potencialidades naturais do sector agrícola em resultados concretos.
O conhecimento tecnológico é outro componente essencial das capacidades económicas. Em muitos casos, a produtividade agrícola é limitada pela falta de acesso a tecnologias modernas e pela insuficiência de programas de extensão rural que possam difundir boas práticas agrícolas. A ausência de inovação tecnológica significa que os agricultores continuam a depender de métodos tradicionais de cultivo, que, embora adaptados às condições locais, são ineficientes e não conseguem garantir a competitividade no mercado global.
A dissociação entre as capacidades naturais e as capacidades económicas e competitivas tem levado ao fracasso de muitas políticas públicas no sector agrícola. As medidas de políticas que procuram promover o desenvolvimento da agricultura, tendo como referência a simples existência do potencial natural sem abordar os constrangimentos económicos, são insuficientes para promover o desenvolvimento sustentável do sector. Este enfoque unilateral desconsidera as realidades práticas enfrentadas pelos agricultores e não aborda os factores críticos que limitam a produtividade e a melhoria da competitividade.
Para superar estes desafios, é imperativo que os formuladores de políticas adotem uma abordagem integrada que considere ambas as dimensões das potencialidades produtivas. As políticas públicas devem ser desenhadas não só para preservar e otimizar os recursos naturais, mas também para melhorar as condições de ordem económica que permitem que esses recursos sejam utilizados de forma eficiente. Isto inclui investimentos em infraestruturas, como estradas e sistemas de irrigação, o desenvolvimento de programas de extensão rural, a promoção de tecnologias agrícolas adaptadas e o fortalecimento do ambiente macroeconómico.
Além disso, é vital abordar a agricultura numa perspetiva sistémica, que leve em consideração as actividades a montante e a jusante. O desenvolvimento agrícola não pode ser visto isoladamente, mas sim como parte de uma cadeia de valor mais ampla que inclui a produção de insumos, a prestação de serviços de apoio, até à transformação e comercialização dos produtos agrícolas. O desenho de instrumentos de apoio deve, portanto, considerar esta cadeia de valor de forma holística, assegurando que todos os elos da cadeia são fortalecidos e que as sinergias entre eles sejam maximizadas, promovendo a eficiência e a competitividade em todos os níveis.
Para concluir, a concretização do potencial produtivo do sector agrícola em Angola deve resultar da conjugação das capacidades naturais e capacidades económicas. A falha em distinguir e articular estas duas dimensões tem sido um dos principais motivos para o insucesso de muitas políticas públicas que tem sido implementada até agora.
Leia o artigo integral na edição 816 do Expansão, de sexta-feira, dia 07 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)
**Manuel Alberto, Economista