Beatriz Frank: "Comecei com duas malas de roupa comprada no Brasil"
Empresária construiu pequeno império de moda em Angola e pretende abrir este mundo à maioria dos angolanos com pouco ou sem dinheiro. No futuro, a antiga Miss Cabinda quer gerir empresas no País e lá fora.
Começou um pequeno império comercial com duas malas. Hoje prepara a expansão das lojas Bibi nas 18 províncias do País e mais de dez lojas em Luanda. Nasceu pobre e foi Miss Cabinda em 2003. Diz que não há contos de fadas, apenas trabalho. Chama-se Beatriz Frank e dirige, além da sua marca, a revista de moda Super Fashion.
Quando produz a revista, tem em mente o público em geral, ou apenas uma elite?
Inicialmente a revista foi posicionada para as classes média e média- alta, mas sentimos necessidade de que também fosse acessível a outras camadas, nomeadamente à classe média-baixa, que consome informação e quer seguir as novas tendências. Temos essa consciência pela sua participação nas redes sociais, nomeadamente no Facebook e no Instagram. Por isso embaratecemos a revista, para conseguirmos atingir um público mais alargado. Estamos, por exemplo, a pensar fazer aplicações para tablets grátis, embora seja verdade que a classe mais baixa não tem ainda um acesso facilitado à Internet, a smartphones e iPads. É nossa intenção que a revista possa chegar a todo o mundo. Estamos neste momento com uma distribuição em cinco províncias e queremos que a revista esteja nas 18 do País.
Antes da revista, começou a sua actividade com a cadeia de lojas Bibi, presentes em grande parte do território. Como foi esse processo de criar uma marca?
Sempre gostei muito de moda. Um ano antes de ser eleita Miss Cabinda fiz, por necessidade, uma viagem ao Brasil e trouxe duas malas de roupa. Quando cheguei a Angola, precisei de comercializar parte do que tinha comprado. Quando ganhei o prémio Miss Cabinda, usei o dinheiro para abastecer uma loja que construí com apenas quatro metros quadrados. Comecei nessa lojinha pequena e depois consegui passar para um espaço maior, altura em que percebi que havia grande apetência em Cabinda pelos produtos que comercializava e que o negócio podia ser muito expandido. Decidi lançar o que são até hoje as maiores lojas daquela província, fornecendo um conjunto muito vasto de produtos. Depois, lancei as lojas em Luanda e também no Huambo. Neste momento, estou a trabalhar a minha própria marca para fornecer todas essas lojas, com uma diversidade de produtos que permite satisfazer todo o tipo de serviços que prestam as lojas. Esta linha de produtos exige uma produção massificada, por isso vou expandir as lojas às 18 províncias de Angola e ter mais dez em Luanda.
Terá produtos importados como até agora, ou apenas angolanos com a sua marca?
As lojas Bibi terão apenas produtos da marca Bibi. São produtos para um target baixo. Pretendo atingir a classe baixa. Existe o mito de que quem não tem dinheiro não pode estar na moda. Baseio-me no exemplo da H&M, que faz coisas muito giras a um preço muito baixo e vende muito. O caminho que pretendo seguir é esse, até porque a grande maioria das pessoas que vive em Angola pertence à chamada classe baixa. Quero trabalhar para quem tem pouco dinheiro, para eles poderem estar na moda.
Não teme que as pessoas prefiram produtos estrangeiros?
Em Angola há cada vez mais necessidade de se nacionalizarem as coisas. Ainda mais com a entrada em vigor da nova pauta aduaneira para proteger a indústria nacional. É fundamental o desenvolvimento da indústria têxtil, o povo tem muita necessidade de consumo, e até agora tudo o que entrava era importado. Como faço para conseguir responder a parte dessas necessidades? Reflecti sobre outros casos de sucesso, como uma outra loja que surgiu em Angola e vendia para a classe baixa. Esse estabelecimento teve num ano um crescimento exponencial admirável, e todo o mundo perguntou porquê. A resposta é fácil: a classe baixa é a maioria. Não creio que a classe baixa possa recorrer aos produtos importados, ela recorre ao mais barato, sobretudo aos mercados informais. Essas pessoas não vão comparar com mercadorias de luxo. Aquilo que vou oferecer são produtos de uma qualidade muito superior àquela a que eles tinham acesso e a preços baixos. Estou certa de que a adesão será em massa.
Não teme a concorrência dos chineses nesse mercado?
É um problema real, que está a dificultar a produção têxtil em Angola. Acaba por ser uma concorrência desleal. Muitos desses produtos são feitos sem licenças e em condições precárias. A vantagem daquilo que faço é a qualidade e o facto de as pessoas saberem que percebo de moda. Essa imagem é, do ponto de vista comercial, muito forte, e tenho um elevado número de seguidores que apreciam o meu trabalho. Vou apostar bastante em marketing e publicidade, e estou certa de que é possível vencer a concorrência desses produtos com pouca qualidade.
Há produtos da criatividade angolana que já são exportados, como a música. Acha possível brevemente haver moda angolana exportada para outros países?
Tenho a certeza que sim. Veja-se mesmo o caso da música. Até há pouco tempo, ser músico em Angola não era uma profissão possível. Hoje estão profissionalizados e são escutados além-fronteiras. Veja-se o caso do Anselmo Ralph, que faz espectáculos com multidões em Portugal, chegando a encher o Campo Pequeno. Angola está a crescer a uma grande velocidade e é cada vez mais notória a presença dos angolanos nas passarelas internacionais, tanto manequins como estilistas. Tenho a certeza de que a moda, em dez anos, vai ter um crescimento muito grande.
Hoje há telenovelas angolanas a passar em Portugal. Acha que amanhã é possível que mais produtos culturais e de moda angolana sejam populares em Portugal?
A telenovela Windeck superou todas as expectativas de popularidade em Angola e até no estrangeiro. Isso foi possível porque houve um investimento significativo, o que prova que, com trabalho árduo, é possível obter excelentes resultados. Acresce que Angola é um país que cada vez mais se faz notar e suscita interesse no mundo. Considero muito possível exportar produtos desse tipo e da nossa moda. Isso abre-nos a porta para a esperança.
Não é uma novela enganadora, uma novela de ricos?
Toda a ficção é ficção, mas digo que é 50% uma novela de ricos e 50% a realidade. O Windeck tem muito de retrato de uma certa juventude angolana, veja o caso da personagem principal, a Micaela. Às vezes, perde-se o conceito de ganhar a vida a trabalhar de uma forma séria, e querem atingir status social muito rapidamente, unindo-se a quem já tem. Isso é um retrato fiel de uma parte do País. Muitos jovens querem subir e usar grandes marcas, e ficar ricos, sem terem trabalhado e sem se terem esforçado. Creio que me destaco: vim de uma família muito pobre e construí tudo muito devagar, e aquilo que atingi foi com muito trabalho.
Afirma que é sua intenção desenvolver produtos para a maior parte dos angolanos. Angola viveu uma guerra civil e é uma sociedade que é muito desigual: há algumas pessoas muito ricas, mas a maioria da população não beneficia da mesma forma do crescimento da economia. Acha que vai ser possível ultrapassar esse fosso?
Eu digo que será um processo a médio e longo prazo. Não vai ser tão cedo que essa desigualdade social vai ser ultrapassada. Há um desenvolvimento económico notório, e o Governo preocupa-se cada vez mais em criar escolas e centros de formação para que a maior parte da população possa ter melhores empregos e condições de vida. Esse processo não é automático e vai demorar bastante tempo, mas o Governo preocupa-se e pretende atenuar essas desigualdades. Acho que em 10 a 15 anos vamos ter muito menos pobres e poderemos ter a maioria da população a viver com condições mínimas, com casas com luz, água e saneamento básico.
O que que se vê a fazer daqui a dez anos?
Vejo-me com os meus filhos, que ainda não tenho. E isso é um grande desejo pessoal. Vejo-me com muitas empresas. Não sei se estarei profissionalmente satisfeita, o ser humano é insatisfeito. Mas quero gerir empresas em Angola e no estrangeiro.
Nuno Ramos de Almeida * Exclusivo jornal i