Nos últimos três anos lectivos, 73% dos novos estudantes foram para o sector privado
A sensação de menor qualidade no ensino público, associada à falta de escolas no meio rural e nas cidades mais pequenas, tem empurrado muitos alunos para as escolas privadas ou comparticipadas, muitas vezes geridas por entidades religiosas que necessitam de maior fiscalização. Tendência de privatização parece acentuar-se.
O número de escolas privadas (conceito que inclui também as chamadas "escolas comparticipadas") continua a aumentar em todo o País e, em apenas três anos lectivos (2020-2021, 2021-2022 e 2022-2023), entre os 551.439 novos alunos que passaram a frequentar o sistema de ensino em Angola, 400.223 estudantes foram encaminhados para o ensino privado, segundo as contas feitas pelo Expansão, tendo como base o "Anuário Estatístico da Educação" relativo ao ano lectivo 2022/2023.
O referido documento, que foi publicado pelo Ministério da Educação e pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no dia 19 de Fevereiro, mostra que entre o ano lectivo de 2020-2021 e 2022- -2023, o número total de alunos matriculados no ensino não-superior (iniciação, primária, I e II ciclos) passou de 8.248.698 para 8.800.047, o que resultou num aumento de 551.439 estudantes a frequentar o sistema de ensino.
No total, o número de alunos a frequentar algum tipo de ensino privado saltou de 1.630.158, no ano lectivo 2020-2021, para 2.030.381 em 2022-2023, naquela que é uma tendência com diversas origens e motivações. Se, por um lado, vai crescendo a ideia de que o ensino privado tem mais qualidade e rigor do que as escolas públicas, por outro lado o isolamento e a falta de capacidade dos serviços públicos atenderem todas as regiões, tem vindo a abrir a porta ao surgimento de escolas comparticipadas, muitas vezes em associação com entidades religiosas e organizações dedicadas à prestação de serviços sociais.
As conclusões compiladas pelo Expansão deviam, segundo os especialistas em educação, merecer uma abordagem mais aprofundada pelas autoridades do sector, já que o referido "Anuário Estatístico da Educação" apresenta apenas dados quantitativos, sem uma contextualização técnica que permita compreender as principais variações e as tendências que se vão instalando no sector da educação.
"O anuário traz-nos um discurso de progresso quantitativo, quando, na verdade, existem ainda problemas antigos, ligados às desigualdades multiculturais e socioeconómicas, que não são muito bem acolhidas neste relatório", afirma ao Expansão Lando Pedro, que é presidente do Instituto Superior Universitário Nimi ya Lukeni, no Soyo, província do Zaire, e Professor Auxiliar no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Cabinda.
"Quando os relatórios têm essa cara, as narrativas dos autores, dos intervenientes e dos agentes que trabalham com o próprio sistema de educação e ensino, acabam por ficar omissas porque se mantém apenas uma descrição numérica. É um documento fundamental para avaliar as políticas educativas, até certo ponto, mas também pode, em termos gerais, mascarar as disparidades estruturais que existem e perpetuar um discurso desconectado da realidade", acredita o especialista em "Teoria e Desenvolvimento Curricular".
"A estatística pode ser um elemento de manipulação de dados e de informações. Existem muitas barreiras e muitos problemas e os números podem encobrir realidades e dar a ilusão da universalização ou do princípio do cumprimento do princípio da universalização do ensino", sublinha Lando Pedro, que lamenta a ausência de contextualização nos documentos produzidos pelo Ministério da Educação.
Leia o artigo integral na edição 817 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. (Saiba mais aqui)