A inteligência artificial chegou para lembrar de outras "makas"
Para o escritor, a realidade angolana é e deve também ser feita e decidida pelos angolanos. Não por todos, porque nenhuma realidade política e social em nenhum lugar do mundo é feita por todos em conjunto. "Há os que mandam e os que obedecem, há os que podem e os que aguentam, há os que sabem ouvir e os surdos, há os hospitais dos ricos e os hospitais para os pobres, há o discurso falado à boca pequena e o discurso para a televisão pública ouvir e repetir cegamente, há muitas versões da realidade angolana. Mas a realidade angolana está a viver "anteontemmente"",
De acordo com o escritor Ondjaki, que abriu o Desconversando, a inteligência artificial é um assunto que chegou para lembrar de outras "makas" que têm sido esquecidas mas que devem ser priorizadas e resolvidas. "Está na hora de parar de brincar com armas com técnicas que agridem o planeta, está na hora de escutar a humanidade e a natureza", sublinhou. E acrescentou: "Vivemos camufulados entre a cuca, a "centada", o riso, a dança, a estiga, o kuduro, o mugimbo e ainda a apetitosa frase, os outros que corrijam. Neste aspecto não há inteligência artificial que nos safe" disse.
No âmbito da informática, explicou, a inteligência artificial "visa dotar o computador da capacidade de simular certos aspectos da inteligência humana como interferir a partir de dados incompletos, decidir em condições de incerteza e compreender a linguagem falada".
Para o escritor, a realidade angolana é e deve também ser feita e decidida pelos angolanos. Não por todos, porque nenhuma realidade política e social em nenhum lugar do mundo é feita por todos em conjunto. "Há os que mandam e os que obedecem, há os que podem e os que aguentam, há os que sabem ouvir e os surdos, há os hospitais dos ricos e os hospitais para os pobres, há o discurso falado à boca pequena e o discurso para a televisão pública ouvir e repetir cegamente, há muitas versões da realidade angolana. Mas a realidade angolana está a viver "anteontemmente"", acrescentou.
Ondjaki acrescentou ainda que antes de pormos em outras mãos, que não são as nossas, é hora de pensar, agir, ponderar, avaliar e decidir sobre o nosso futuro. Há ainda um problema "que estamos com ele", a própria inteligência humana, e podemos juntar a esta uma grave deficiência no contexto da preocupação colectiva com os problemas da maioria. Nem o Estado, nem a sociedade, nem os cidadãos têm conseguido dar resposta aos problemas que a maior parte da população apresenta.
Segundo ainda o escritor, existe a necessidade de problematizar as questões relacionadas com a inteligência artificial.
O grau de dificuldade, mesmo para uma inteligência artificial, é muito elevado. "Se nós andamos há séculos entre "mugimbos e indecisões", quanto mais uma máquina baseada no que lhe é contado e no que ela pode inferir na nossa realidade e na nossa estupidez. O que ela poderá decidir ou fazer? Talvez o mais natural, óbvio e normal para garantir tanto a sobrevivência da inteligência artificial como a do planeta", rematou. E acrescentou: "Acabar com os humanos mugimbeiros e indecisos, fazedores de guerra, alimentadores de desigualdades, agressores da mãe natureza e até das suas próprias mães".
"Andamos vazios de inteligência emocional, andamos cegos de conseguir ver o outro, e estamos aqui sentados, reunidos a debater a inteligência artificial. Ocorre-me dizer com toda a sinceridade, coitada da tal inteligência artificial quando der conta que veio parar a Angola" reclamou o escritor. Na sua visão, a inteligência humana e os interesses colectivos do mundo ainda não investiram o suficiente na luta contra a desigualdade social, o bem-estar social, e até a saúde do planeta. "Enquanto continuarmos a separar o planeta das pessoas e as pessoas umas das outras estaremos a agredir a nossa casa e qualquer tipo de inteligência neste momento se está a rir de nós".
"Andamos vazios de inteligência emocional, andamos cegos de conseguir ver o outro e estamos aqui sentados, reunidos a debater a inteligência artificial. Ocorre-me dizer com toda a sinceridade, coitada da tal inteligência artificial quando der conta que veio parar a Angola. A inteligência artificial, não está preparada para o grau de estupidez humana que andamos a praticar no mundo. Nos mundos financeiros, na ONU, na desunião europeia, nas teias americanas, na esperteza francesa, no mundo moderno chinés, brasileiro, inglês, indiano e africano", continuou.
O autor dos livros como "Bom dia, camaradas" e "O livro do deslembramento" explicou que "existe um antónimo para a palavra inteligência, é a palavra desinteligência que lembra outras palavras nossas, desfazer, desandar, desocupar, destravar, desviar, desmembrar e até mesmo desconseguir".
Ondjaki concluiu a sua intervenção chamando a atenção aos problemas da sociedade. "Hoje o povo ainda tem fome, não tem água potável em todas as torneiras, não tem qualidade de ensino, não tem todas as crianças em escolas sequer parecidas. Um dos últimos golpes de inteligência que nos resta não é artificial ou natural, seria um golpe humano, o de preservar o planeta terra e o de preservar e acarinhar a espécie humana".