Sector da agricultura perdeu 550 mil trabalhadores em apenas seis meses
Desde 2020 que a tendência tem sido de perda de empregos na agricultura e de crescimento no comércio. Trata-se de uma troca quase directa de trabalhos na informalidade, pouco qualificados, que potencia o êxodo rural do campo para a cidade para condições, muitas vezes, pouco dignas.
O sector da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca perdeu cerca de 550 mil trabalhadores entre Dezembro de 2023 e Junho de 2024, de acordo com cálculos do Expansão com base nos relatórios sobre o emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE). Já no comércio, o número de trabalhadores não pára de crescer, um sinal de que as pessoas, sobretudo os mais jovens com pouca qualificação, continuam a trocar os campos pela cidade, onde muitas vezes acabam por viver em situações pouco dignas, de acordo com especialistas.
Nestes relatórios, o INE "arruma" a distribuição das pessoas que têm trabalho em 10 sectores (ver tabela). Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca empregavam no final do I semestre deste ano 44,8% da população empregada, o que significa que dos 12.108.854 empregados neste período (78% são informais) 5.424.767 estavam neste sector primário. Fazendo o mesmo exercício recorrendo ao relatório do INE sobre o IV trimestre de 2023, é possível verificar que houve uma quebra de mais de 550 mil trabalhadores neste sector em apenas seis meses.
Por outro lado, se a agricultura perdeu milhares de trabalhadores, o sector do comércio assistiu a um crescimento substancial de postos de trabalho já que em apenas seis meses este sector, que inclui ainda a reparação de veículos, empregava 2.712.383 de cidadãos, precisamente mais 467 mil do que no final de 2023.
Os relatórios do INE baseiam- -se em inquéritos a 10.944 agregados familiares, o que faz com que os seus resultados sejam probabilísticos. Ainda assim, apresentam indicadores que permitem estudar e avaliar não só questões relacionadas com a empregabilidade, mas também aprofundar outras questões como alterações à própria sociedade angolana.
Apesar de o maior corte de trabalhadores na agricultura se ter verificado no I semestre deste ano face ao final de 2023, os números do INE revelam que há essa tendência de diminuição dos postos de trabalho neste sector primário verificada nos últimos anos. Basta ver que, em 2020, quando existiam 33,4 milhões de angolanos, pouco mais de 6 milhões trabalhavam na agricultura. Hoje, serão 35,1 milhões de angolanos e "apenas" 5,4 milhões estão na agricultura. Por outro lado, face a 2020 há hoje mais quase 627 mil pessoas a trabalhar no sector do comércio. Estes dois sectores valem 67% dos postos de trabalho do País, ainda que sejam maioritariamente trabalhos informais.
Tendencialmente, um país em que a sua maior força de trabalho está na agricultura e no comércio tem vantagens como maior segurança alimentar, e alta empregabilidade, contribuindo para a criação de emprego e para o crescimento económico sustentável, o que até seria positivo caso a maior parte desses postos de trabalho em Angola não fossem informais. Em Angola, por serem predominantemente sectores que convivem na informalidade, são marcados pela baixa produtividade, o que garante rendimentos e condições de vida muitas vezes pouco dignos para os trabalhadores que são marcadamente pouco qualificados e com níveis de educação baixos.
Para Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político Social Angolano (OPSA), estes dados indiciam que "está a ocorrer uma transformação silenciosa no panorama económico e social" em Angola, mas sem que essa transformação seja positiva. "Se no início da independência havia mais angolanos nas zonas rurais e hoje temos mais gente nas zonas urbanas e periurbanas a viverem em péssimas condições, se não fizermos algo de concreto nos próximos anos teremos mais angolanos no sector de comércio em relação ao sector da agricultura. E aí também, ao contrário do que ocorre noutras realidades, esta alteração terá a particularidade de ter ocorrido não porque houve um desenvolvimento tecnológico no sector agrícola, nem muito menos porque estas pessoas tiveram acesso a mais educação e formação que lhes permita irem para estes sectores, será simplesmente como acontece com a agricultura, por ser menos exigente em termos de qualificação", alerta.
Leia o artigo integral na edição 794 do Expansão, de sexta-feira, dia 20 de Setembro