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Angola

Tratar documentos com um "micheiro" custa 3 a 8 vezes mais

JURISTA DEFENDE PENALIZAÇÕES SEVERAS

A demora na entrega de documentos nos serviços do Estado alimenta a informalidade. Micheiros cobram 3 vezes mais do que o preço oficial do documento e, nalguns casos, 8 vezes mais. Carta de condução sai a 150.000 e passaporte a 75.000 Kz. "Febre da micha" afecta quase todos os serviços e já se espalhou aos consulados.

Apesar da proclamada luta contra a corrupção, tratar de documentos em Luanda é um autêntico martírio e chega a custar oito vezes mais do que o preço de tabela dos documentos. No caso de uma carta de condução, que custa 41.000 Kz, chega-se a pagar mais de 150 mil Kz, no caso de recurso a um "micheiro" para ter o documento em duas semanas. O prazo de emissão das cartas, que ultrapassa os três meses, encurta consideravelmente com o recurso a estes intermediários. Mas há também quem consiga a carta, recorrendo a "micheiros", mesmo sem nunca ter feito o exame que habilita a conduzir. O preço é o mesmo.

Se formos precisos, quer o cidadão, quer o "micheiro" tratam de pedir o documento, pela via oficial. A diferença é que, enquanto o primeiro tem de se sujeitar a longas esperas, o segundo obtém o documento num curto espaço de tempo. Nestas situações, o que alimenta a informalidade é o tempo que as instituições demoram para entregar o documento ao cidadão. Por isso, quem tem mais dinheiro opta pelos serviços informais dos "micheiros", mesmo que a sua carteira saia lesada.

Por exemplo, quem vai tratar o passaporte num dos postos do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) paga 30.500 Kz, que é o valor da taxa publicada em Diário da República. Soma-se a este valor mais 1.500 Kz pela compra do formulário, que é vendido por jovens na entrada do serviço, ou numa "konica" (termo popular para designar um estabelecimento comercial que faz fotocópias), ao lado do posto do SME, e o valor sobe para os 32 mil Kz.

Segundo um destes jovens, quem lhes dá os formulários são os próprios agentes do SME, que depois recebem uma percentagem dos 1.500 Kz cobrados pelo formulário. Por outro lado, são os próprios agentes do SME que dizem para os cidadãos comprarem os formulários aos jovens ou na Konica, como constatou o Expansão, ao fazer-se passar por alguém que ia tratar do passaporte. O formulário está disponível gratuitamente no site da instituição.

Depois de o pedido dar entrada no SME, o cidadão recebe a garantia de ter o documento no prazo de 30 dias. Mas pode demorar mais de seis meses, como aconteceu com Etelvina Domingos, de 32 anos, que o jornal encontrou no posto da Vila Clotilde, no Maculusso. Apresentou o pedido em Dezembro do ano passado e ainda está à espera.

No caso do passaporte, quem entregou o pedido pessoalmente, num posto do SME, pode acabar por recorrer a um micheiro, para apressar a sua saída. Nesse caso, entrega o recibo, que atesta a entrada do pedido, e o micheiro "agiliza" o processo junto dos agentes do SME. Só por isso cobra 75.000 kz.

Oito vezes mais

O Expansão seleccionou nove documentos dos mais solicitados. O boletim de sanidade e o atestado médico, os que têm preços mais acessíveis (1.500 Kz), saem em 24 ou 48 horas, pela via normal. Mas, pela via informal, consegue-se o boletim de sanidade em menos de 30 minutos, ficando nesse caso 1.000 Kz mais caro.

Mas há documentos, como o Bilhete de Identidade, que chegam a custar oito vezes mais do que o preço fixado, de 455 kz, no caso de extravio ou se ficar estragado. Quando é pedida a segunda via, o cidadão tem de pagar 3.828 Kz, o que funciona como penalização. Como raramente é cumprido o prazo de entrega de uma semana, "há quem pague entre 20.000 a 30.000 Kz e recebe o documento em 24 horas ou numa semana", revelou um "micheiro" no Posto de Identificação Civil de Viana.

O mais curioso nesta questão da informalidade é o caso dos verbetes, documento provisório, com prazo de validade entre os 15 dias a três meses, que permite conduzir enquanto aguarda a emissão da carta de condução. Os jovens "micheiros" conseguem arranjar um verbete, mesmo a quem nunca teve a carta de condução. O preço varia de 15.000 a 30.000 Kz, de acordo com o tempo de validade que o cliente pedir.

A intermediação pelos "micheiros" alastra-se aos consulados. O Expansão ouviu cidadãos no Consulado de Portugal em Luanda que relataram casos de "extorsão" por funcionários da empresa que faz o agendamento dos serviços de concessão de vistos.

Teresa Malaquias, de 39 anos, revelou que teve de pagar 300.000 Kz para receber os passaportes a tempo de viajar. "A minha viagem estava marcada para o dia 2 de Março e eu já tinha o bilhete, mas um funcionário do consulado disse que só poderiam conceder-me os vistos no dia 12. Entre pagar a multa por remarcar a viagem na TAAG e pagar uma gasosa para obter o visto, preferi a segunda opção", contou.

(Leia o artigo integral na edição 724 do Expansão, desta sexta-feira, dia 12 de Maio de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)