"Entrar em acordo com o FMI foi uma decisão muito corajosa. As reformas não são fáceis"
Regressou a Angola em 2017 para chefiar a representação dos EUA no País onde já tinha estado em 2005. Quase na despedida, em entrevista ao Expansão, fala das mudanças que encontrou, sobretudo a nível político, já que o apoio do seu país à UNITA durante a guerra gerou "sentimentos fortes" contra os EUA. Hoje, diz, já não é assim.
No final de 2017 regressou a Angola, desta vez como embaixadora, depois de cá ter estado em 2005 como chefe da secção política/económica. Quando chegou há quatro anos Angola estava no segundo ano de recessão, agora está de partida e vamos no quinto ano de recessão... Parece que estamos sempre em crise...
Angola está num processo de reformas económicas. E são reformas que são muito importantes para o país e, neste caso, eu apoio os esforços do Presidente. Primeiro, porque tomar a decisão de entrar em acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi uma decisão muito corajosa. As reformas que são exigidas pelo FMI não são fáceis, mas ao mesmo tempo acredito que são necessárias. Então, temos primeiro estas reformas económicas e, em segundo, a luta contra a corrupção, que é outro pilar essencial na reforma económica. E terceiro, Angola tem um povo saudável e preparado para contribuir para a economia. Quando pudermos pôr ênfase na saúde, na educação, isso tudo vai ajudar a que contribuam para a economia.
O que mais a marcou da sua vida em Angola durante este período?
Em termos do povo angolano noto o mesmo calor, o prazer de estar com eles. Apesar de ser um país onde as pessoas viveram tanto tempo em guerra civil, é um povo de mão aberta que trata muito bem os estrangeiros. Essa simpatia continua. Outra grande diferença que noto é que, desta vez, pude viajar mais dentro do país, porque quando estive cá em 2005 havia mais a ameaça de minas terrestres. Fico muito feliz por poder dizer que os EUA são grandes apoiantes da desminagem em Angola. Antigamente não podíamos parar na estrada, hoje já não há essa preocupação. E tem outra parte de desenvolvimento. Cheguei a Luanda e vi tantos novos edifícios que não reconhecia a cidade que existia antes. Vou a Cabo Ledo e já não é aquela praia de pescadores, já tem resorts.
E em termos políticos?
Quando estive cá há 15 anos foi logo a seguir à guerra. Como sabemos, os EUA apoiaram a oposição durante a guerra, então ainda havia muitos sentimentos fortes contra os Estados Unidos. Hoje em dia, o Governo actual interessa-se muito mais em manter, não só boas relações, mas são mais cooperantes e próximas do Governo americano.
Ainda hoje se olha para os EUA como um país que continua a apoiar a oposição, mas também alguns activistas e elementos críticos ao partido no poder...
Mas isso é democracia. As duas coisas são bastante diferentes. Apoiamos a democracia e o próprio João Lourenço disse, no seu discurso de tomada de posse, que tem de haver mais liberdade de imprensa, mais liberdade de reunião. E até olhou para os outros e disse "talvez você não vá gostar de tudo o que eles dizem mas tem de existir". É fundamental na democracia.
E passaram quatro anos. É hoje visível essa pluralidade e liberdade, essa abertura?
Eu acho que sim. Muito mais do que quando cá estive antes. Nem há comparação. Vimos que, no ano passado, houve manifestações que no início talvez a resposta estava um pouco forte, mas depois vimos que mudaram e deixaram as pessoas participar. Esses últimos três anos temos tido discussões bilaterais sobre direitos humanos e surge sempre este assunto da liberdade de expressão. Temos tido alguns casos bem conhecidos, um de Rafael Marques e outro em que levaram jornalistas para o tribunal. Então, temos tido mudanças. É a pouco e pouco. Temos uma expressão em inglês que diz que "quem vive em casa de vidro não deve atirar a primeira pedra" e amanhã vai fazer um ano da morte de George Floyd [às mãos da polícia]. Nos EUA tivemos manifestações, grandes debates, depois disso tivemos a reacção policial que era forte demais.
Voltando à economia angolana, que continua muito informal. Que lhe parecem as reformas feitas no país?
Eu acho que o Presidente está a apoiar muito o processo de diversificação da economia e isso é muito importante. Aplaudo esse esforço para que Angola volte a ser um país autossuficiente em produtos agrícolas. Cada vez que o país possa oferecer oportunidades às pessoas, para o empreendedorismo, para que contribuam para a economia formal, eu acho que isso no final vai beneficiar o país. O Governo está muito empenhado em melhorar, por exemplo, o Doing Business, e até já subiu alguns lugares no ranking.
E combater a corrupção?
A corrupção é desde quem pede "gasosa", quem a paga, quem cobra para fazer o seu trabalho, desde pequenas coisas como as grandes como roubos, tudo isso é roubar o povo angolano. É necessário que haja uma mudança na consciência das pessoas, começando com os jovens, isso vai fortalecer a economia e as coisas vão funcionar.
(Leia o artigo integral na edição 626 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Maio de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)